Show gratuito: Geraldo Vandré volta aos palcos após 50 anos
Anos e anos de silêncio. Finalmente o ícone da geração dos festivais de música Geraldo Vandré quebra 50 anos de silêncio e apresenta-se num concerto e Recital “Música e Poesia da Capitania de Wanmar”, nesta quinta-feira (22) e sexta-feira (23), na Sala de Concertos Maestro José Siqueira, no Espaço Cultural José Lins do Rêgo, em João Pessoa.
“Desde de 1968 que praticamente não canto no Brasil, canto aqui porque é a Paraíba.”
O evento é dividido em dois atos. No primeiro, Vandré sobe ao palco acompanhado da pianista Beatriz Malnic, com quem executa seis peças para piano compostas, de autoria da dupla. No segundo ato, a Orquestra Sinfônica da Paraíba, acompanhada do Coro Sinfônico do Estado, executará composições do homenageado, como: Caminhando – Pra não dizer que não falei de flores, À Minha Pátria, Mensageira e Fabiana.
“Pode ser ainda que entre uma apresentação e outra eu recite alguns de meus poemas. Vai depender da emoção do momento. Eu tenho noção da importância desse concerto para o país”, comentou o artista.
“Este concerto/recital é uma pequena antologia da obra deste grande artista. Mostra suas escolhas, sua dignidade e coerência”, afirmou o secretário de Estado da Cultura, Lau Siqueira, que diz ainda lançar em breve um livro com produções inéditas de Vandré.
A proposta do retorno aos palcos 50 anos depois, na Paraíba, surgiu em uma conversa do Governo do Estado com Geraldo Vandré durante o festival de cinema Aruanda, no final de 2015, quando o cantor não retornava ao estado onde nasceu fazia 20 anos.
Um presente à Paraíba e ao Brasil
“Geraldo está doando esse show à Paraíba, é mais um ato de subversão. Custeamos a estrutura, a viagem. É um presente a Paraíba e ao Brasil, e um tapa no mercado fonográfico”, enfatizou o secretário de cultura Lau Siqueira. “Muitos artistas vêm ao estado e cobram valores vultosos para apresentações gratuitas à população, bancadas pelo poder público”, salientou.
Os ingressos gratuitos para os dois dias de apresentação foram distribuídos ontem (21), a partir das 10h, no Espaço Cultural José Lins do Rêgo, e rapidamente esgotados por enorme fila que se encontrava na expectativa.
Transmissão ao vivo
O concerto em homenagem a Geraldo Vandré terá transmissão ao vivo no Espaço Cultural. “por isso, além dos dois dias de apresentação [22 e 23 de março], a Secult-PB disponibilizará ainda um telão na Praça do Povo do Espaço Cultural, onde o concerto-recital será transmitido ao vivo. Ninguém ficará de fora deste momento“, completou Lau Siqueira.
De acordo com a Secult, a escolha do local da apresentação foi pessoal do artista, por acolher um número menor de espectadores, possibilitando um retorno mais “íntimo e acolhedor”, como ele mesmo afirmou durante a coletiva de imprensa. A capacidade da sala é de 570 pessoas.
Ao ser questionado sobre ter um posicionamento de esquerda ou de direita, o cantor usou uma metáfora como resposta.
“Na mão esquerda trago uma certeza, na mão direita uma garantia. Atenção, às vezes eu troco de mãos.”
Quando o assunto é música, os ares da entrevista ganham uma certa leveza. Se o Brasil pouco lhe inspira a produzir, isso não quer dizer que não haja produção. “Ainda componho. Mas pra mim”. Vandré se diz animado a participar de produções sinfônicas. Um desafio novo em sua carreira. “Eu vim aqui a convite do governador para participar desse projeto. Produzir música sinfônica é algo que me motiva”, ressaltou.
O artista: uma espetacular história de vida
Cantor, compositor e violinista brasileiro. Geraldo Pedrosa de Araújo Dias, conhecido como “Geraldo Vandré” (sobrenome) retirado do nome de seu pai, José Vandregísilo, nasceu no dia 12 de setembro de 1935, em João Pessoa (PB).
Ele se formou em Direito no Rio de janeiro, e logo começou como cantor e compositor despontando como um dos talentos de sua geração.
Um dos mais enigmáticos personagens da música brasileira. Foi premiado com o segundo lugar no festival da TV Globo (1968), com a música “Pra Não Dizer Que Não Falei de Flores”; Festival da TV Record a música (1966), com a música “Disparada“.
Geraldo Vandré abandonou a vida pública e se afastou do mundo artístico, atuando como advogado e servidor público. O seu afastamento foi alvo de inúmeros boatos que vinculavam sua suposta descrença na esquerda, sua mudança ideológica e seu abandono da vida artística aos atos de tortura supostamente sofridos. Conforme o ponto de vista: de herói a bandido ou vice-versa.
Foi amado e odiado pela esquerda num intervalo de uma década. Colaborador do Centro Popular de Cultura da UNE (CPC) desde 1961, conheceu ali o também compositor Carlos Lyra, que se afastava da bossa nova em direção a uma música mais engajada. Logo fizeram em parceria as primeiras canções, a exemplo de “Aruanda”.
Em 1966 Geraldo Vandré ganhou repercussão nacional. Naquele ano, inscreveu no Festival da TV Record a música “Disparada” composta com Théo de Barros e defendida por Jair Rodrigues. Dividiu o primeiro lugar com Chico Buarque, que concorria com “A Banda” na voz de Nara Leão.
A consagração veio dois anos depois, quando a canção “Para Não Dizer Que Não Falei Das Flores“, que ficou conhecida como “Caminhando”, ficou em segundo lugar no 3º Festival Internacional da Canção, atrás de “Sabiá”, de Tom Jobim e Chico Buarque, o mesmo adversário de 1966. A derrota enfureceu a plateia. “Caminhando”, afinal, era uma tapa na cara da ditadura como ninguém jamais tinha ouvido. Vandré, àquela altura, era ovacionado como o mais valente dos compositores. Especula-se que a euforia causada pela canção tenha apressado o Ato Institucional Nº 5 (AI-5), dali a um mês e meio.
Geraldo Vandré tem vivido em Teresópolis, região serrana do Rio de Janeiro, onde sua mãe morava (dona Marta, que morreu em 2011, e seu José, em 1986). Atualmente casa da sua irmã, e no apartamento em São Paulo.
Possivelmente é disso que ele se ocupa, fazendo canções e versos em silêncio. Vandré vive sozinho, da sua aposentadoria como (funcionário publico) e dos direitos autorais de suas músicas que atravessam gerações, governos e ideologias. Diz à lenda que ele tem canções inéditas e projetos musicais, mas de certo só que ele continua como o grande enigma da música brasileira.
Quando perguntado por que decidiu interromper a carreira artística, Vandré diz “São muitas questões e riquezas outras”. Ao comentar sobre a música “Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores”, ele destaca “A música é, portanto, uma mensagem, uma informação, não um conselho, mesmo porque o povo não precisa de conselhos”. O refrão é uma necessidade da canção, disse Vandré, criticando quem tentava dissecar a sua como se fosse um comício, ou um tratado de sociologia.
Em maio de 2015, o jornalista Vitor Nuzzi lançou o livro Geraldo Vandré – Uma Canção Interrompidade forma independente e com tiragem limitada (100 exemplares).
O escritor Jorge Fernando dos Santos também lançou no mês de setembro (2015) a biografia Geraldo Vandré – O Homem que disse Não – Geração Editorial.
“Vandré, um homem corajoso, independente e coerente consigo mesmo. Confuso nas palavras e no modo de agir, mas acima de tudo lúcido em suas escolhas. É um brasileiro que vive exilado em outro país, em outros tempos, longe do consumismo e da alienação que aí está. Sua música (Pra Não Dizer Que Não Falei Das Flores – Caminhando) mostra-se mais atual do que nunca, já que nossas ruas continuam cheias de indecisos cordões”, aponta Jorge Fernando.
Com informações: Secom/Secult-PB / Diário de Pernambuco / G1 / Paraíba Criativa – Inventário