O peso poético de Jairo Cézar

Depois de sete anos sem publicar um livro de poemas (o último foi Escritos no ônibus, vencedor de prêmio da Funjope em 2007/2008), Jairo Cézar entregou ao leitor mais uma obra de sua lavra. Neste intervalo, lançou “Rapunzel e outros poemas da infância” e participou de outras obras, mas sua poesia ainda carecia de uma maior ousadia, apesar do talento que se apresentava principalmente no livro infanto-juvenil. Eis que o poeta retoma o fio da meada e lança o livro “O Peso das Gotas”, obra que já nasce premiada e revela novos caminhos para sua lírica.

Dividido em cinco partes, o livro passeia da nostalgia à ironia, revelando, com leveza poética, o peso de uma lírica que não esconde suas referências temáticas ou influências literárias.

No primeiro capítulo – Infância -, a evocação do trem é uma constante. Não de um trem veloz, lúdico, como no célebre poema de Manuel Bandeira. Mas de um trem nostálgico, evocando lembranças do pai e de imagens da infância. A Estação de Sapé, terra natal do poeta, é o estuário natural dessa nostalgia. Afinal, em seus trilhos, sabia-se porque o trem gemia tanto e tinha silvos sinuosos. “O trem não parte ou chega/ apenas dorme/ na dor/ que o chicoteia”, lamenta o eu-lírico, para em outro poema revelar seu desejo de ser trem para emudecer distâncias. Mas como nem só de trem vive a infância, “Cantiga para não crescer” refaz a síndrome de Peter Pan, ao dizer:

Quando crescer, quero ser criança.

Fazer a lua de pipa

enquanto o solzinho descansa.

Quando crescer, quero ser criança.

Reger  vaga-lumes em rima,

fingindo-se estrelas em dança.

Quando crescer, quero ser criança.

E que haja, entre o homem e o menino,

um acordo íntimo:

Um há de ser pássaro,

o outro há de ser ninho.

A segunda parte da obra – Meus -, dialoga com outros autores, alguns contemporâneos do poeta; outros, referências, como Fernando Pessoa e Miguel de Cervantes. Neste diálogo, impressiona a reiteração da presença do tinteiro em vários poemas. Assim como no primeiro capítulo Jairo utiliza-se de algo que já está ficando no passado (o trem). Neste, a utilização do tinteiro em versos de vários poemas leva o leitor a um tempo em que não se escrevia nos teclados do computador. Isso para ressaltar os “seus” autores e parceiros nas lides literárias e culturais.

Num dos poemas dedicados a Sérgio de Castro Pinto (um dos melhores do livro), por exemplo, afirma que nenhuma palavra pula a cerca de sua poesia. “Afogo-as todas/ no fundo do tinteiro”, arremata numa imagem que leva o leitor a perceber que a poesia de Jairo é feita de sangue também. Na homenagem a Lúcio Lins, a imagem é retomada, com o poema se afogando na imensidão do tinteiro. O tema é recorrente porque, talvez, para o poeta, “O tinteiro tece seu fio/ de poema dito ao avesso”. Na louvação a Vanildo Brito, nova reiteração do tinteiro. Claro que há, neste capítulo, outras imagens abordadas. Neste caso, vale a pena conferir o lirismo de “Vertigem” e o tom leve e lúdico de “Elegia para o Cuscuz”, em honra de Jomar Morais Souto:

Farelos. Estão em farelos.

Deixe-os, pois, ser amarelos.

São milhos, fazem jus

a um canto dentro do cuscuz      

derramado pelo milharal.

 

Eles são cuscuz, hoje.

Mas, ontem, foram milhos santos.

Tiveram amplos milharais

e pastaram e ruminaram

feito bois nos espigais.

 

Eles são cuscuz, hoje.

Mas, ontem, foram milhos santos.

Entoaram os tristes cantos

dos espantalhos pelos campos.

 

E foram eles, os espantalhos,

que mesmo tristes e sozinhos,

os viram do milharal partir

para seguir o seu caminho.

 

Eles são cuscuz, hoje.

Mas, ontem, foram milhos santos.

E muito antes de repousarem

na cova de teu prato fundo,

foram milhos, foram tantos,

merecem, pois, do silêncio

um minuto.

“Mínimos”, a terceira parte do livro, como o título já sugere traz poemas curtos, a maioria tercetos. O tom é lírico, de um lirismo inusitado. Vale a pena ler a série de tercetos sobre a lua. Vale a pena observar, também, as referências à Bíblia e outros temas religiosos em alguns poemas. Como em “Gênesis”, “Deuteronômio”. E ler poemas sobre temas do cotidiano, como este:

mil pés de feijão

plantam-se em minha língua

todo meio dia.

Em “Úmidos”, quarta parte da obra, predominam poemas com temática mais erótica. Ou lírico-amorosa. Como “Boca de Veludo” e os salmos para Isabel e Deise, este melhor que aquele. Aqui, há espaço para irreverência, como no poema “Complexo de Édipo”:

Olho para teus seios

com olhos de fazendeiro

latifúndio de bezerro

que te lambe por inteiro.

Por último, o livro traz “Diversos”, que como o próprio nome já diz, é uma mini-coletânea de poemas sobre os mais variados assuntos. Destaque para “Reforma ortográfica”, “Desenredo” e “Eclipse”, onde o ludismo remete ao livro de poemas para crianças lançado pelo autor.

Em “O Peso das Gotas”, Jairo Cezar traz uma poesia que não abusa da metalinguagem e nem rende tributo às vanguardas literárias. Antes, o tributo, se o há, acontece a outros autores. Aqui um Manuel Bandeira, ali um Carlos Drummond de Andrade, aqui e acolá a busca constante de impor sua própria lírica no cenário poético contemporâneo. É uma obra que privilegia o lirismo e a ironia, como forma de deixar leve seu fardo poético. Uma obra que vale pelo que afirma em seus versos, e pelo que deixa para o leitor afirmar, como no poema “Sinfonia nº 13”:

O morto cose o silêncio dos vivos.

Por um instante, tudo cessa.

Só se ouve a sinfonia dos pássaros desavisados

e o estampido da terra que bate à porta da casa nova.

Ela está chegando, meu velho!


Linaldo Guedes

Jornalista e poeta. Nascido em Cajazeiras, no Sertão da Paraíba. Radicado em João Pessoa desde 1979. Como poeta, lançou os livros “Os zumbis também escutam blues e outros poemas” (A União/Texto Arte Editora, 1998), “Intervalo Lírico” (Editora Dinâmica, 2005), “Metáforas para um duelo no Sertão” (Editora Patuá, 2012) e “Tara e outros Otimismos” (Editora Patuá, 2016). Lançou, em 2015, “Receitas de como se tornar um bom escritor”, pela Chiado Editora, de Portugal.

Tem textos e poemas publicados em dezenas de livros lançados no Brasil, incluindo antologias. Sua produção literária e fortuna crítica podem ser acessadas nos seguintes blogues:

Site: https://conversandosobrelinaldoguedes.wordpress.com/

Site: https://linaldoguedes.wordpress.com/

E-mail: linaldo.guedes@gmail.com


Edição: Josy Gomes Murta

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