Grafiteiro exalta o povo nordestino nas ruas da periferia do Rio de Janeiro
Wallace Pato, 24 anos, grafiteiro. Ele é mais um na multidão, porém com um diferencial: usa a sua arte para enaltecer os mais humildes.
Inspiração e autenticidade. Com a mão esquerda segurando o seu smartphone, visualiza uma foto na tela. Com a direita, em poucos minutos, consegue fazer os primeiros traços, rabiscos livres que tornam-se silhuetas.
No morro do Iapec, bairro de Ramos, periferia da zona norte do Rio de Janeiro, diante de uma parede, o artista é só concentração.
Matéria-prima: três latas de tintas com as cores primárias, o vermelho, azul e amarelo e um pincel grosso de parede.
Wallace Pato já é conhecido na comunidade por todos. Ele consegue todas as misturas que deseja para dar vida a um grupo de pessoas sentadas numa carroça.
O grafiteiro encontrou o sentido para a sua arte. Espalha por muros e paredes do Rio, sobretudo nas comunidades e periferias, pinturas do povo nordestino, uma forma de exaltar aqueles trabalhadores que emigraram em massa para o sudeste buscando melhorar suas vidas.
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“Minha intenção na pintura é ser porta-voz de quem nunca foi ouvido, é dar voz a quem nunca teve ou que é ofuscado”, diz.
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Ele inspira-se nos familiares, vizinhos, amigos, trabalhadores e trabalhadoras com os quais sempre conviveu desde sua infância. Afinal, estímulo de criação não lhe falta, testemunhou as dificuldades pelas quais passam, mas também a força e a fé que os fazem seguir adiante. “Comecei a perceber que aqueles que vinham para cá tinham todo esse trabalho, suor e sangue derramado para levantar a cidade, mas são totalmente menosprezados, invisíveis, sem qualquer valor. Cada um com uma história linda. São grandes heróis e heroínas”, enfatiza.
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“Eu sinto a necessidade de falar disso, de que o mundo veja isso, a força dessas pessoas. E minha forma de expressar é a pintura, o grafite”, ressalta.
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Um exemplo
Seu Bras, vizinho de Pato. Ele faleceu há pouco tempo de câncer, com mais de 80 anos. “Era um nordestino arretado mesmo, um mestre. Eu cresci vendo esse cara tocando todo tipo de instrumento, era só colocar na mão dele. Ele era seresteiro, um gênio, e também cortava meu cabelo”, conta.
Pato, assim que Seu Bras faleceu, ele pediu para a filha do homem uma fotografia e, em seguida, pediu para Gilmar, outro vizinho, que cedesse uma parede de sua casa. E foi misturando a tinta vermelha com a amarela, que resultou no laranja, em seguida colocou o azul e conseguiu chegar no marrom. Com uma mistura de tons fez a pele de um seu Bras mais novo, com cerca de 50 anos e um acordeon pendurado em seu ombro.
Ao comentar sobre seu estilo de pintura, diz: “Eu tento fazer expressionismo, estou buscando isso. É um realismo-expressionismo, uns traços bem marcados. Não busco deixar a pintura limpinha, tento sujá-la mais”.
Quando não pinta rostos conhecidos a partir de fotografias cedidas, ele busca no Google as imagens que deseja. “Em cima da temática do povo nordestino, eu pinto o que estou sentindo, o que minha cabeça está falando”, explica.
O trabalho, a música, os deslocamentos, os temas sociais. Um de seus grafites retrata uma mulher emocionada, com a mão no rosto, segurando um cartão do Bolsa Família.
Pato decidiu pintar o amor, num muro que fica embaixo de um viaduto que liga a Avenida Brasil e a Linha Vermelha, duas das principais vias expressas do Rio, um casal de idosos rindo e se abraçando, de olhos fechados. Havia encontrado a foto na internet.
“O pessoal passa por aqui às 4h para ir trabalhar. E pensei que muitas vezes a gente está chateado, com o patrão te esculachando na empresa, e você sem moral, desanimado, mas sem poder largar o trabalho porque tem que colocar comida em casa”, explica. “Então pensei em falar de amor para essas pessoas, acho que essa imagem pode mudar o dia delas”, acrescenta.
“As pessoas se identificam muito. Às vezes estou pintando e param para conversar, chorar… Muitas se sentem representadas, principalmente os mais velhos, porque é um povo que já lutou muito. Também porque a maioria dos meus retratos são de pessoas mais velhas”, explica.
Como todo artista de rua, ele pinta onde houver um muro ou uma parede disponível. No entanto, seu trabalho pode ser mais apreciado em bairros das periferias como Ramos – onde ele nasceu e cresceu. Penha, Bonsucesso, Complexo do Alemão, Maré, também são bairros que expõe a arte de Wallace Pato.
Museu a céu aberto
O artista também pinta quadros com a mesma temática: o povo nordestino. Com seu talento, ele consegue o sustento, o dinheiro para pagar o aluguel com a sua esposa. A rua é seu espaço preferido de trabalho. Ele sente-se mais à vontade.
As paredes da periferia ficam coloridas e transformam-se em um museu a céu aberto. Pato oferece arte para aqueles que nunca tiveram acesso a ela, e ainda faz com que estas pessoas sintam-se representados por seus grafites.
Os personagens têm a ver com a sua origem. Um avô seu é nordestino, o outro é indígena e sua avó é mineira. Eles trabalhavam como feirantes ou lavando e passando roupa.
Tudo começou
Wallace Pato nasceu no Rio de janeiro e começou a desenhar desde cedo. Seu primeiro contato com a cultura urbana aconteceu aos 14 anos. No começo fazendo pichações pela cidade. “A gente novo, adolescente, quer espalhar nosso nome pela cidade”, recorda.
No ano de 2010, conheceu o grafite e desde 2013 vem pintando e não parou mais. Primeiro com spray, agora com tinta de parede. “Para mim, o grafite é só um pouco mais caprichado que a pichação. Há pessoas que acham o contrário. Mas a intenção dos dois é a mesma: são os jovens querendo se expressar”, argumenta.
“Sei que é complicado, às vezes o cara pinta a casa, gasta uma grana, e vem alguém e picha. Mas isso é um reflexo do que acontece no Rio e no Brasil, das oportunidades que não dão para a gente. A galera quer colocar para fora o que está engasgado. A pessoa que está pichando está colocando algum sentimento ali. Tem que ter respeito”, acrescenta.
Sua inspiração é justamente “a galera que está na rua pintando comigo”, mas entre os mais conhecidos cita Os Gêmeos e o espanhol Aryz.
Pato conta que chegou a trabalhar em uma loja de tintas para poder comprar seu material a um preço melhor. Fazia grafites de cartoons quando, em 2015, começou a mudar, a encontrar uma linha de trabalho, uma inspiração: as pessoas ao seu redor.
“Foi o momento que eu despertei. Pensei ‘caramba, por que eu estava fazendo isso esse tempo todo e não estava falando disso? Onde minha cabeça estava? Eu deveria estar dormindo. As pessoas precisam ver essas histórias’”.
Pato já perdeu a conta de quantos muros já pintou, mas diz que tenta finalizar no mínimo um por semana. Ele pretende não só seguir com esse trabalho como também levá-los para as ruas de outras cidades.
O sonho
O artista espera ser chamado para cursar pintura neste segundo semestre na Escola de Belas Artes, da UFRJ, para aprender e trocar experiências. Diz que “adoraria ter reconhecimento” para poder se manter com as pinturas que faz na rua, “mas sem abrir mão da mensagem” que passa.
“Com a arte, com a pintura, a gente consegue do nada tirar alguma coisa pra passar para os outros. Isso é amor, irmão. É amor ao próximo”, completa.
Com informações: El País