Primeiras apátridas reconhecidas pelo Brasil recebem nacionalidade brasileira
O Ministério da Justiça concedeu ontem (4) a nacionalidade brasileira para as irmãs Maha e Souad Mamo. A naturalização foi entregue durante evento na 69ª sessão do Comitê Executivo da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), que se encontra reunido em Genebra, na Suíça.
A entrega do documento foi feita pelo Coordenador-geral do Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE), Bernardo Laferté, e pela Embaixadora Maria Nazareth Farani Azevêdo, representante permanente do Brasil junto às Nações Unidas em Genebra.
As irmãs já haviam sido reconhecidas como apátridas pelo Brasil – um primeiro passo para a obtenção da naturalização. E a concessão da nacionalidade é considerada um momento histórico pelas autoridades brasileiras. “Ao conceder a nacionalidade brasileira às irmãs Maha e Souad Maho, o Brasil reafirma sua tradição de acolhimento aos vulneráveis e desassistidos e dá um exemplo ao mundo de que foi, e sempre será, um país comprometido com a erradicação da apatridia”, diz o ministro da Justiça, Torquato Jardim
A nova Lei da Migração, em vigor desde novembro de 2017, dedicou uma seção especial à proteção dos apátridas, garantindo residência e um processo de naturalização simplificada. Segundo Bernardo Laferté, cujo avô era apátrida e foi acolhido no país, todos os requisitos para a naturalização foram cumpridos. “O Brasil concede a nacionalidade a essas irmãs, com fundamento nessa seção especial de proteção ao apátrida da nova Lei de Migração, reafirmando sua tradição de proteção de todos os imigrantes e seu compromisso de redução da apatridia no mundo”, lembra.
Laferté ainda destaca que esta é a etapa mais recente do avanço legislativo do país no compromisso pela redução da apatridia. “O compromisso teve início com a adoção das duas formas de nacionalidade originária, pelo solo e pelo sangue, e agora extensiva aos reconhecidamente apátridas por meio de um processo simplificado de naturalização”, lembra.
Apatridia
A concessão de nacionalidade a Maha e Souad Mamo cumpre com o compromisso do Brasil de prevenir e erradicar a apatridia, conforme a Convenção da ONU sobre o Estatuto dos Apátridas (de 1954) e a Convenção da ONU para a Redução dos Casos de Apatridia (de 1961) – ambas promulgadas pelo país.
Este compromisso foi reafirmado pelo Plano de Ação Brasil de 2014, no qual o país estabeleceu, a partir de consultas regionais, o programa “Erradicação da Apatridia” – que identificou os principais desafios e ações necessárias para que os objetivos fossem alcançados na década seguinte.
De acordo com o ACNUR, estima-se que existam cerca de 10 milhões de pessoas em todo o mundo que não possuem nacionalidade – ou não têm sua nacionalidade reconhecida por qualquer país. Por não terem certidão de nascimento e, consequentemente, outros documentos de identidade, os apátridas enfrentam inúmeras dificuldades com atividades simples do dia a dia, como frequentar uma escola, consultar um médico, trabalhar ou abrir uma conta bancária, por exemplo.
A apatridia ocorre por várias razões, como discriminação contra minorias na legislação nacional, falha em reconhecer todos os residentes do país como cidadãos quando este país se torna independente (secessão de Estados) e conflitos de leis entre países. Para o ACNUR, identificar e visibilizar as pessoas apátridas é fundamental para enfrentar as dificuldades que enfrentam e permitir que os governos possam prevenir e reduzir a apatridia.
Maha Mamo
Em Genebra, Maha Mamo foi uma das palestrantes do evento paralelo “Building momentum: mid-point of the #IBelong Campaign” – que discutiu os avanços e o impacto da campanha #IBelong, promovida pelo ACNUR para erradicar a apatridia no mundo até 2024. A recém-naturalizada compartilhou sua trajetória pessoal e de seus irmãos como apátridas e explicou o procedimento de naturalização facilitada pelo qual passou no Brasil, país que os acolheu em 2014.
Dois anos depois, foram reconhecidos como refugiados, com direitos similares aos demais residentes no Brasil – mas, ainda, sem nacionalidade. Esta foi a primeira vez que Maha e seus irmãos tiveram um documento de identidade. Todos obtiveram o Registro Nacional de Estrangeiro, a primeira de uma série de benefícios que puderam ser conquistados com a obtenção de um documento.
Ao longo desses anos no Brasil, Maha se tornou apoiadora da campanha do ACNUR #IBelong ” (pelo fim da apatridia no mundo) e atua como ativista da causa, trabalhando de maneira incansável para promover a erradicação da apatridia e assumindo um papel protagonista nas Américas e no mundo.
Em maio de 2016, como representante da juventude, foi a única pessoa apátrida a participar da primeira Cúpula Mundial Humanitária para inspirar e revitalizar o compromisso dos países com a erradicação deste problema humanitário. Em maio de 2017, foi uma das oradoras principais de uma reunião de especialistas convocada pelo ACNUR, pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU e pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos.
Nas Américas, Maha Mamo tem sensibilizado diversos funcionários governamentais, parlamentares e equipes do ACNUR e organizações da sociedade civil sobre o problema da apatridia e a importância de facilitar a naturalização de pessoas apátridas, participando de diversos cursos regionais sobre o tema. Também teve um papel de destaque do encontro regional preparatório das Américas para a Reunião de Alto Nível sobre Apatridia que acontecerá em Genebra, em 2019.
Com informações: ONUBR / Justiça.gov.br