Surdo de nascença, Edinho faz poesia com a língua de sinais
Conhecido como Edinho da Poesia, ele é da Cidade Ademar, na periferia da zona sul de São Paulo, mas vive no bairro do Jabaquara. A realidade do dia a dia é a maior fonte de inspiração do poeta.
Edvaldo Santos, 33, um paulistano de olhar expressivo, mãos ágeis, sensibilidade que transborda em poesia – quase autobiográfica – sobre ser um homem negro, surdo e periférico. Edinho da Poesia encontrou na Libras (Língua Brasileira de Sinais), uma maneira de comunicar as inquietações observadas desde muito cedo.
O poeta cresceu no distrito da Cidade Ademar, na periferia da zona sul de São Paulo, onde teve uma infância tranquila com outros três irmãos ouvintes: jogava bola, empinava pipa, entre outras brincadeiras. Mas também se deparou com as primeiras barreiras nesse momento.
“Eles [meus irmãos] ficavam conversando. Quando eu chamava, respondiam que explicariam depois e deixavam para lá”, conta Edinho, utilizando os sinais.
Aos 13 anos, passou a conquistar mais independência. Foi quando começou a sair sozinho e conhecer grupos de surdos. “Eu ia em vários rolês nas quebradas, trocava ideia, falávamos sobre as nossas vidas, dificuldades e criávamos estratégias. Nós aconselhamos uns aos outros”, relata. Desse meio, mantém laços com vários surdos até hoje.
Nessas andanças, aprendeu a ficar sempre alerta. “Quando caminhava pela rua, prestava muita atenção. A polícia me parava, e eu sempre perguntava ‘sabe libras?’ Afinal, sou um cidadão, e não conseguem conversar comigo. É uma questão de acessibilidade geral. Estou ali sendo parado, e não me explicam o que está acontecendo, isso é foda”, desabafa.
É nesse período também que a poesia esbarra na trajetória de Edinho. Estudou da pré-escola até os 15 anos em uma escola especializada no ensino de pessoas surdas, por meio de bolsa, no Ibirapuera, a cerca de 12 quilômetros de casa.
Fazia o trajeto de ônibus, percorrido em 50 minutos. As atividades culturais desenvolvidas pela escola em convênio ao MAM (Museu de Arte Moderna) de São Paulo, despertou o primeiro interesse pela arte.
Mais tarde, ingressou em empregos formais, mas se sentia sufocado. O cabelo encrespado, a barba espessa por fazer e as roupas com estilo “desleixado” eram motivos de incômodo nesses lugares. Cansado dessa situação, recorreu a uma ex-professora para ajudá-lo a trabalhar no MAM como educador, e a partir disso nunca mais parou de fazer arte.
A realidade do dia a dia é a maior fonte de inspiração do poeta. “A arte me mostrou o caminho. Não falo só sobre mim, mas também dos outros surdos, é o que eu vejo na sociedade. O meu poema ‘Mudinho’ é um exemplo disso, os surdos veem e se identificam”, explica.
Trecho da poesia Mudinho:
“Quando eu era pequeno/ diziam: ‘mudinho, mudinho, mudinho’/
Eu já homem feito e barbado/ e eles: ‘mudinho, mudinho, mudinho/
Me casei, tive filho/ e eles: ‘mudinho, mudinho, mudinho/
Eu envelheci, me cansei, me curvei/ e eles: ‘mudinho, mudinho, mudinho/
Mudinho? Não, meu nome é Edinho, porra”.
Segundo dados do último censo do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), no Brasil, cerca de 9,8 milhões de pessoas possuem deficiência auditiva. Desses, 2,6 milhões são surdos e 7,2 milhões apresentam dificuldades para ouvir. Entre os que apresentam dificuldade auditiva severa, 15% já nasceram surdos, como é o caso de Edinho.
De acordo com um estudo feito em conjunto do Instituto Locomotiva e a Semana da Acessibilidade Surda, apenas 7% dos surdos completam o ensino superior; 15% concluem o ensino médio; 46% vão até o fundamental e 32% não possuem grau de instrução.
No ano passado, Edinho chegou a final do Slam BR, a principal competição de poesia falada do Brasil, com a parceira do compositor James Bantu. Juntos, definiram qual tom dariam para as poesias declamados no evento. “Eu gosto do slam porque é um espaço periférico, se afasta da poética elitista. Estamos falando sobre temas impactam, relevantes”, pontua.
Em um episódio, falou sobre a educação durante batalhas do slam de 2017. No dia seguinte, recebeu agradecimentos de ouvintes por terem tido contato e compreenderem o que foi o tema da redação do Enem daquele ano.
Em contraponto, leu e ouviu relatos de estudantes que escreveram na prova ‘se eu ver um surdo vou matar’. Embora esses comentários não o incomodem. “Sigo com a minha luta”, comenta.
Edinho afirma que sua presença nos mais diversos espaços se torna um ato político. “Entre ser negro e ser surdo, eu acho que o principal ponto é ser negro, sabe. Vejo as pessoas conversando: surdo negro ou negro surdo. E aí eu pergunto qual vocês preferem falar?”, questiona.
“Primeiramente as pessoas olham para sua pele, vão ver que sou preto, depois vem o contato. No metrô, por exemplo, a pessoa me olha e fala ‘pô, você está atrapalhando, você é um zoado’, ela não sabe que sou surdo, mas já vê [minha cor]”. E continua: “Então eu prefiro falar negro surdo, porque é como me veem primeiro”, provoca.
Edinho encontrou na poesia uma forma de se comunicar com o mundo, e de expressar na arte as vivências como negro surdo em uma sociedade ainda praticamente analfabeta para a Libras. “Estou criando a minha arte também para falar da comunidade surda, para que eles vejam, para que eles [ouvintes] entendam.”
Edinho interpreta a poesia “Negro Surdo”
Com informações: Mural
Edição: Josy Gomes Murta
Bravo. Artigo muito importante e muito bem escrito.