Família encontra filme de 1954 com imagens históricas da sede da ONU
Um filme raro com imagens da sede das Nações Unidas em Nova Iorque ficou guardado num apartamento por 68 anos e só agora se torna público.
Uma parte da história das Nações Unidas passou os últimos 68 anos muito bem guardada em um apartamento em Copacabana, no Rio de Janeiro. Imagens mostrando os primórdios da Organização e o funcionamento da sede em Nova Iorque acabam de ser recuperadas pela família Strauch. Trata-se de um filme de pouco mais de dez minutos, que agora ganha importância de documento histórico.
O material foi encontrado entre os pertences de Abigail Strauch, matriarca da família que faleceu em abril de 2021, perto de completar 99 anos. Dentro de uma lata estava o rolo de filme de 16 milímetros com a etiqueta “O Brasil nas Nações Unidas”, de 1954, produzido pelo conhecido dublador Herbert Richers e narrado por Waldemar Galvão – cuja fama na época vinha de seu trabalho como locutor da Rádio Nacional do Rio de Janeiro.
Nas imagens
É possível ver nas imagens como era o prédio em seus primeiros anos de funcionamento, com destaque para o serviço de tradução simultânea das reuniões e assembleias. Também aparecem as primeiras obras de arte que viriam a marcar a história da sede, como o Sino da Paz Japonês – badalado anualmente na abertura da Assembleia Geral–, a réplica da estátua Poseidon de Artemísio e até mesmo a menção ao espaço onde três anos depois seriam expostos os painéis “Guerra e Paz”, do artista brasileiro Cândido Portinari.
O registro do passeio pelos corredores é feito através da perspectiva de um grupo de visitantes, composto por um menino e três brasileiras, sendo uma delas Abigail. O menino é seu filho primogênito, Carlos Henrique. “Nunca ouvimos falar deste filme antes. Eu e minha irmã imaginamos que minha mãe nunca o mencionou por ser uma memória dolorosa”, conta o engenheiro Guilherme Strauch, filho mais novo de Abigail, em entrevista ao Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil (UNIC Rio).
O filme da visita é um dos últimos registros de Carlos Henrique, que faleceu aos 13 anos, pouco tempo após as gravações. “Foi uma surpresa encontrarmos estas imagens dele e da minha mãe lá. Até então, só sabíamos que o meu pai havia feito parte da delegação brasileira na ONU”, conta.
Delegação
Não à toa a família Strauch é uma das protagonistas do vídeo. O patriarca Ottolmy Strauch foi um dos primeiros brasileiros a participar das atividades da ONU logo em sua fundação. Em 1946, quando ainda funcionário do Departamento de Administração do Serviço Público (DASP), foi indicado ao Itamaraty para ser um dos nomes a compor a secretaria do governo brasileiro nas Nações Unidas.
Em seguida, entre 1952 e 1954, integrou as comitivas brasileiras que participaram das Assembleias Gerais em Nova Iorque e chegou a ser eleito, em 1953, para ocupar um cargo no Comitê de Contribuições da Organização. Recebeu 50 votos de um total de 54, estabelecendo naquele ano um recorde na eleição do Comitê.
É por este destaque que Ottolmy aparece no vídeo. Durante alguns segundos é possível acompanhar parte de seu discurso ressaltando o papel do Brasil na tarefa de garantir que as finanças da ONU fossem geridas da forma mais eficiente possível, assegurando assim recursos para a paz e o desenvolvimento social dos países mais vulneráveis.
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“É um grande orgulho saber que o Brasil tinha um grande destaque nisso.”
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“Eu acho difícil desassociar a surpresa em ter encontrado esse vídeo histórico da emoção em rever minha família e o orgulho da participação do meu pai. Ali a ONU estava começando, o mundo tinha acabado de sair de uma grande guerra e a Organização estava tentando estabelecer acordos, reconstruir a paz. É um grande orgulho saber que o Brasil tinha um grande destaque nisso”, relata Guilherme.
Emocionante
A coordenadora residente do Sistema ONU no Brasil, Silvia Rucks, destaca a importância do Brasil na diplomacia internacional e do filme. “Conhecemos, por documentos históricos, a participação do Brasil na fundação da Organização das Nações Unidas e acompanhamos, por décadas, esse protagonismo se materializar em forma de acordos que ajudaram a construir e até hoje guiam as ações da ONU em todo o mundo, como a própria Agenda 2030. Ter a oportunidade de assistir a uma pequena parte desse processo nesse vídeo é emocionante”.
Digitalização
O achado da família coincide com a recente capacitação do Laboratório Universitário de Preservação Audiovisual da Universidade Federal Fluminense (LUPA-UFF) para digitalização de filmes. Inaugurado em 2017, o LUPA é o único espaço do tipo a operar dentro de uma universidade e foi só no ano passado que conseguiu os equipamentos necessários para digitalizar filmes como este.
Focado em rastrear vídeos amadores e que remontem pedaços da história do Rio de Janeiro, o LUPA é comandado pelo professor Rafael de Luna Freire. Foi para ele que a família Strauch entregou a cópia de “O Brasil nas Nações Unidas” para digitalização e restauração.
“A gente deu sorte porque filmes para durarem precisam ser guardados em baixa umidade e temperatura, sob condições estáveis. E este estava em relativo bom estado, até porque não foi muito exibido e ficou na lata por muito tempo, guardado no mesmo lugar”, explica o professor.
Conteúdo
Contente com a surpresa de encontrar tantos nomes famosos envolvidos na produção, o especialista em cinema avalia que a peça documental seja um cinejornal – formato popular de informativos que eram exibidos em cinemas antes das atrações principais, numa época em que a televisão ainda não era parte da rotina das famílias.
“Esse é um típico filme feito nesse contexto, onde cada audiovisual estrangeiro precisava ser exibido com um complemento nacional junto. Mas como historicamente os exibidores dos filmes não remuneravam os produtores pela criação destes curtas, era preciso que os produtores procurassem outras formas de financiar esses informativos”, explica Freire.
“Geralmente este financiamento vinha em forma de propaganda ‘disfarçada’, tanto para empresas privadas como órgãos públicos etc. Era muito comum na época cinejornais como este trazerem esse tom mais institucional.”
A aposta do professor é que o filme foi gravado originalmente em 35 milímetros e a cópia de 16 milímetros, considerada para fins amadores, entregue para a família Strauch como forma de agradecimento pela participação.
Agora que as imagens foram digitalizadas, o LUPA ficou responsável pela preservação do rolo original, podendo exibir o conteúdo em sessões online. Com autorização da família Strauch e do LUPA, o filme completo “O Brasil nas Nações Unidas” também pode ser visto nos canais digitais da ONU.
Com informações: ONU Brasil
Edição: Josy Gomes Murta
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