Pesquisadora lança portal de mapeamento de Escritoras Negras na Bahia
A primeira delas foi Maria Firmina dos Reis, no século dezenove. Ao longo dos seus 92 anos gerou Úrsula e A Escrava. De uma favela de São Paulo, Carolina Maria de Jesus registrou o seu cotidiano em Quarto de Despejo. Aidil Araújo Lima, Manuela Barreto, Vânia Melo, Érica Azevedo e tantas outras mulheres do campo literário estão reunidas no site Escritoras Negras. O projeto busca mapear em detalhe a presença delas na Bahia.
Autoras de poemas, contos, artigos, romances e dos mais diversos segmentos literários têm espaço reservado nesse catálogo virtual. O trabalho é organizado pela jornalista e doutoranda em literatura da Universidade de Brasília (UnB), Calila das Mercês.
Em um contexto ainda de marginalização, ser escritora, negra e brasileira são identidades que revelam muito dessas autoras. “Por trás desta descrição existem centenas de mulheres que fizeram e fazem arte literária e que ainda continuam invisibilizadas nas nuances das diversas esferas do sistema literário. Ser mulher negra escritora é ter um repertório plural de vivências individuais e coletivas que vão desde as memórias de nossos ancestrais até os dias de hoje”, conta a jornalista.
Dinâmico e em movimento. É assim que a pesquisadora pretende manter o portal Escritoras Negras da Bahia. As autoras terão liberdade para fazer alterações, acrescentar dados e ainda alimentar o espaço com produções e textos literários próprios e notícias.
Para não ficar “parado no tempo”, o site conta com a colaboração das escritoras. Das 30 autoras negras com as quais Calila das Mercês já entrou em contato, cerca de 20 delas enviaram dados, fotos, contatos e textos para serem publicados no portal. O espaço estará sempre aberto para novas cadastradas.
Ter um livro no mercado não é requisito. “Eu acho que é muito limitador a gente eliminar uma pessoa [da definição de escritora] por não ter um livro publicado, acho que devemos agregá-la e entender por que não foi publicado. A partir daí, há uma série de questões da cadeia produtiva do livro, vários nãos que se escuta, as questões sistêmicas e estruturais, como racismo, machismo e misoginia, que andam de mãos dadas. Seria esquisito, como pesquisadora, se eu não tivesse esse olhar humanístico da percepção delas”, explica a jornalista.
Além do mapeamento, outro objetivo é a publicação de um livro digital (e-book). Os textos serão selecionados pela própria idealizadora e a ideia é que sejam de natureza acadêmico-cultural, ensaios sobre negritude e de autoria de pessoas negras, seja homem ou mulher. Na obra também devem ser incluídos dados e perfis das escritoras mapeadas. O livro será lançado em português e inglês.
Luta por visibilidade
Do estado onde a maioria da população é negra ou parda, o projeto busca mudar o cenário da literatura. “A ideia do site Escritoras Negras da Bahia é dar visibilidade, fortalecer as mulheres que contam suas histórias, por meio da literatura oral ou escrita. Poetas, contistas, romancistas, cordelistas, que com frequência são violentadas simbolicamente, uma vez que raras são reconhecidas pelo seu trabalho artístico”, destaca Calila das Mercês.
Até hoje a estadunidense Toni Morrison foi a única escritora negra a ganhar o Nobel de Literatura, em 1993. No mercado editorial, nomes como Ana Maria Gonçalves, Elisa Lucinda, Helena Theodoro, Miriam Alves, Cristiane Sobral, Conceição Evaristo e Lia Vieira são exemplos de autoras reconhecidas que militam pela valorização do universo da literatura feminina negra.
Para Calila das Mercês, o portal é um lugar no qual as escritoras poderão registrar suas “escrevivências”, pelo modo de olhar o mundo dessas autoras. “Eu, negra e pesquisadora, acredito que estamos em um momento tenso no país, mas para a gente nunca foi fácil, em termos de representatividade e de vivências. A ideia é que a gente registre essas coisas. Eu queria que as meninas negras e de periferia tivessem esse entendimento de compreender que não vamos esquecer as histórias delas”, disse.
Enegras: oficinas e vivências
Dentro da ideia do projeto também está sendo promovido até o dia 20 de julho, um ciclo de oficinas e palestras gratuitas voltadas para as mulheres de comunidades afro-indígenas com temas ligados a literatura, cinema e tecnologia.
Os encontros acontecem no extremo Sul da Bahia, nas cidades de Alcobaça, Caravelas e Prado. As oficinas são organizadas por Calila das Mercês e as pesquisadoras Raquel Galvão e Kênia Freitas.
“Para nós, é muito especial estar em contato com os grupos e com as mulheres destas comunidades afro-indígenas, com as pessoas que mesmo em territórios quase isolados fazem muito pela cultura do país”, conta Calila das Mercês.
Quantas escritoras negras você já leu?
As obras das escritoras negras são antes de tudo um exercício de escrita e de militância. “A nossa escrevivência não pode ser lida como histórias para ‘ninar os da casa grande’ e sim para incomodá-los em seus sonos injustos”, argumenta Conceição Evaristo.
Os livros falam da condição do negro, das memórias, ancestralidade e de superação. “Nosso texto tem essa transversalidade. De onde saí e para onde vou. Mas sempre com olhar de esperança”, ressalta Lia Vieira.
De quais escritoras negras brasileiras você já ouviu falar e quantas já leu? Uma pergunta cuja resposta tende a mudar, a partir da iniciativa do Escritoras Negras. “A ideia é que o projeto se estenda para outros estados. A rede precisa se fortalecer em todo o país”, destaca Calila das Mercês.
Obras de escritoras negras sugeridas pela jornalista Luciana Barreto:
Ana Maria Gonçalves – Um defeito de cor;
Carolina Maria de Jesus – Quarto de despejo: O diário de uma favelada;
Clarissa Lima – Cor de Pele: valorizando as diferenças para as oportunidades serem iguais;
Conceição Evaristo: Poncia Vicencio; Becos da Memória; Olhos d´água;
Cristiane Sobral – Não vou mais lavar os pratos;
Elisa Lucinda – A fúria da beleza; Parem de falar mal da rotina;
Esmeralda Ribeiro – Malungos e Milongas;
Íris Amâncio – África para crianças;
Helena Theodoro – Os ibejis e o carnaval; Mito e Espiritualidade: mulheres negras;
Lia Vieira – Eu, Mulher; Chica da Silva; Só as mulheres sangram;
Lívia Natália – Preciosa;
Miriam Alves – Mulher Mat(r)iz;
Nina Silva – InCorPoros – Nuances de Libido;
Toni Morrison – O olho mais azul; Song of Solomon; Amada.
Contatos
Portal Escritoras Negras da Bahia: http://escritorasnegras.com.br/
Facebook: https://www.facebook.com/escritorasnegras
Com informações: Agência Brasil / Portal SoteroPreta / Revista Cult / M De Mulher / Luciana Barreto / Suplemento Pernambuco / Carta Capital