Grafiteiro surdo ensina a arte em festival na França
Rafael Santos, no registro de nascimento. No meio artístico, “Odrus”, cujo significado é a palavra “surdo”, escrita de trás para frente.
O artista brasileiro diz ter encontrado na arte e no grafite das ruas, uma forma de inclusão.
“A nossa condição não nos define, podemos ser mais do que esperam de nós. A arte é uma forma de mostrar que existimos, que estamos aqui ao lado de vocês, ouvintes. Queremos nos expressar, nos comunicar e ser ouvidos, declara Odrus.
Ele foi convidado pelo Festival Clin d’Oeil, para ensinar na oficina de grafite a pessoas com deficiência auditiva, nos dias 6 e 7 de julho, em Paris, França.
O evento aconteceu pela primeira vez em 2003, com edições a cada dois anos. O objetivo do festival é introduzir a linguagem de sinais em diversas formas artísticas. Na programação a oferta é variada e oferece desde competição de cinema até performances artísticas.
O grafiteiro de 34 anos, conseguiu juntar algum dinheiro através das vendas de bilhetes (rifa) e campanha de doação online, e conseguiu arrecadar R$ 2 mil, que não foi o suficiente, para uma viagem ao exterior.
“Vai ser apertado, mas eu vou”, disse Odrus, antes de embarcar.
Rafael nasceu em Planaltina, no Distrito Federal, já passou por muitas adversidades na vida. Ele nasceu com surdez profunda, e sem o diagnóstico preciso do que causou a sua deficiência.
Também teve dificuldades na infância por falta de intérprete de Libras (a língua brasileira de sinais), nas escolas públicas do Distrito Federal.
O artista conheceu más companhias que o levaram a cometer roubos, e foi internado por duas vezes em unidades socioeducativas durante a adolescência quando se envolveu com o crime. “É passado”, diz.
Odrus foi alfabetizado no Ceal, escola específica para surdos. Hoje ele luta pela valorização e apoio da comunidade surda.
As artes visuais trouxeram a Odrus, mudança de vida, e através do seu talento e criatividade, ultrapassou barreiras e fronteiras, levou a sua arte para fora do país.
O começo
Rafael Santos, autodidata, recebeu algumas dicas de amigos grafiteiros, treinou os desenhos em casa e aprendeu a técnica numa Lan House. Para “pagar o amor pela arte”, precisou começar a trabalhar como auxiliar de limpeza em uma empresa terceirizada para comprar materiais como spray e tinta.
Ele recorda o início de tudo, na época com 18 anos, conheceu o grafite no Conic. “Vi um grupo vendo uma revista de grafite em uma loja de skates, fiquei curioso e fui ver. Não conhecia essa arte e me apaixonei”, diz.
O Conic é um espaço alternativo no centro da capital federal do Brasil. Odrus conta que ficou encantado com a cores nas ruas, nos muros e quis fazer isso na cidade dele na época, Santa Maria, a 35 km de Brasília.
Desde então começou a se dedicar aos desenhos, pinturas e aprimorar a técnica.
“O grafite mudou a minha vida, a arte tem um potencial transformador na vida de jovens periféricos. Eu me apaixonei instantaneamente. Gosto dessa coisa de ser arte de rua, arte do povo. É mais democrático e inclusivo, enfatiza o grafiteiro.
A arte de Odrus nos Estados Unidos
Em setembro de 2016, Odrus participou do evento “Meeting of styles”, nos Estados Unidos.
Representou o Brasil como artista convidado pela empresa Eskis, dona de marcas de sprays. Ele viajou sozinho e disse que, apesar da dificuldade de comunicação, conseguiu fazer alguns passeios na cidade de São Francisco por conta própria.
No Brasil
O grafiteiro participou recentemente (Abril) da exposição Mundez, no Museu Nacional da República, em Brasília, com duas paredes grafitadas no mesmo espaço de artistas como Di Cavalcanti, Alfredo Volpi, Tarsila do Amaral, Rubem Valentim e Anita Malfatti.
Odrus argumenta que a arte pode ser uma cúmplice na inclusão de muitos jovens como ele. “Pessoas surdas hoje trabalham na maioria em subempregos, assim como eu, e são marginalizadas da sociedade no Brasil. Estamos lutando por inclusão e melhorias”.
O artista aconselha: “Meu conselho pro povo surdo é ignorar o preconceito dos ouvintes, é um mundo que nos exclui, nos coloca em subempregos mas podemos vencer, é possível, precisamos nos esforçar pra vencer essas barreiras, vamos lutar e conseguir reconhecimento para a nossa cultura.”
Odrus diz sentir orgulhoso de onde está chegando, pois o grafite é uma arte que ainda sofre preconceito na sociedade. “Apesar da presença em espaços ditos conceituados, o lugar do grafite é nas ruas com a periferia”.
“Espero ensinar grafite para crianças surdas, e que elas possam ver na arte uma forma de comunicação e expressão. Espero que possa ajudar jovens surdos e jovens periféricos a encontrarem na arte perspectivas de futuro e de vida.”
Odrus, das ruas para a Exposição Mundez no Museu Nacional
Mais um pouco da Exposição Mundez no Museu Nacional.
Posted by Risco na Quebrada on Friday, April 21, 2017
A arte de Odrus pode ser vista no Flickr:
https://www.flickr.com/photos/odrus
Com informações: Só Notícia Boa / Catraca Livre / G1