Tecnologia e colaboração no resgate de línguas, dialetos e sotaques
No contato entre pessoas, a língua é a chave que abre ou fecha as portas da comunicação. A fala de um povo, da oralidade à escrita, também é sinônimo de identidade. Fatores externos as modificam, mas o domínio e a preservação do uso as tornam vivas.
“Muitas vezes os linguistas só pensam em fazer inventários dos sistemas fonéticos e das gramáticas. Isso é pouco. É preciso que a língua seja falada. Quando uma língua morre, uma experiência humana se empobrece”, afirmou o professor Eduardo Navarro, especialista em línguas amazônicas da Universidade de São Paulo (USP).
Para não as perder no correr do tempo, as tecnologias se transformaram em grandes dicionários da memória. Como língua é cultura, são as próprias pessoas que colaboram nesses registros. É o caso do Projeto Idiomas em Risco (Endangered Languages Project), iniciativa do Google que reúne os idiomas através de um mapa-múndi.
Criado em 2012, o projeto conta com a colaboração de mais de 16 mil pessoas. Grande parte das informações acrescentadas pertencem ao Catálogo de Línguas em Extinção (ELCat), da Universidade do Havaí, e ao Instituto de Línguas e Tecnologia da Informação, da Universidade de Michigan.
Das mais de 7 mil línguas do mundo, o site já conseguiu juntar 3.407, até o momento. No ambiente online podem ser encontrados a quantidade de falantes dos idiomas, vídeos com exemplos de dança, música e fala de cada região e ainda um mapa do planeta onde pontos coloridos localizam o idioma de cada país, de acordo com o nível de vitalidade.
“A maneira de pensar de um povo expressa-se em sua língua. Daí a frase lapidar de Fernando Pessoa: ‘Minha pátria é a língua portuguesa’, que o nosso Caetano Veloso retomou como ‘Minha pátria é minha língua’”, comentou a professora e consultora Thaís Nicoleti de Camargo.
A resistência é o percurso de idiomas como o Koro, recém-descoberto em cadeias montanhosas no nordeste da Índia e falado por cerca de mil pessoas, assim como a língua da etnia Crenaque, conhecida apenas pelas mulheres com mais de 40 anos, dos cerca de 400 índios brasileiros que habitam o Vale do Rio Doce, no Brasil.
Segundo o professor Eduardo Navarro, no Brasil mil línguas indígenas eram faladas na época do descobrimento. Hoje, apenas 184 estão vivas, com ou sem falantes fluentes.
“As línguas indígenas são patrimônio cultural do Brasil e da humanidade. Durante milhares de anos, essas línguas se desenvolveram, surgiram e se diversificaram. Só no Brasil são mais de uma centena de línguas, muitas delas tão diferentes entre si como o turco e francês,” explicou o linguista do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), Hein Van der Voort.
Se depender das tecnologias, as línguas não morrem. No mínimo ficarão registradas como símbolo de sua existência. Entre tantas variações de uma região para outra, a pluralidade só será preservada se o seu valor for reconhecido pelos povos de cada lugar do mundo.
Mapeamentos da fala
A Fundação National Geographic criou o “Línguas que Resistem” (Enduring Languages), uma enciclopédia digital de idiomas do mundo todo. No site há dicionários acompanhados de áudio gravados pelos falantes, com o objetivo de preservar as línguas ameaçadas.
O Projeto Rosetta (Rosetta Project), criado em 2008, produziu um disco no qual gravou 1.500 línguas, com a colaboração de especialistas em linguagem em todo o mundo e falantes nativos. A iniciativa é inspirada na Pedra de Roseta, o artefato que possibilitou a compreensão dos hieróglifos egípcios no século XVIII.
Mapear dialetos e sotaques é o intuito do Localingual. A ideia de montar o site foi do ex-programador da Microsoft, David Ding. Com expressões locais e gírias do Brasil e do mundo, o site entrou no ar janeiro de 2017 e já conta com mais de 18 mil gravações.
Com informações: Folha de São Paulo / Revista Exame / UOL / Ascom do MCTI / National Geographic