Aranha faz o contraponto de Augusto dos Anjos num livro cosmopolita
Um livro que é ao mesmo tempo místico e também um resumo de várias gerações. Assim que pode ser definido “Nós an Insight”, primeira obra poética de Carlos Aranha lançada pelas Edições Linha D´Água. É como se fosse um compêndio, um caleidoscópio, onde passeiam pelas suas páginas os fatos que mexeram com a alma dos leitores da obra nos últimos quarenta anos. Além disso, é um livro cosmopolita. Aranha parte de João Pessoa, sua cidade natal, para expor, no ritmo da poesia, sua visão de mundo.
O lado místico pontua a maioria dos poemas do livro. Já no poema de abertura da obra – “Nós”, um diálogo direto com a poética de Augusto dos Anjos – Carlos Aranha busca introspecção para definir o seu EU. “Assumo o ser que somos nós./ Deus é se de tom tamanho/ que seu silêncio é som da nossa voz”. Em outros poemas, essa busca pelo divino, pelo místico, pelo encontro do EU é uma constante. Assim, lemos versos como “Deus é co-autor da dor”, “Pra que tant´identidade,/ se o mundo não pergunta por seu nome” e “Sofrer só é virtude/ quando Deus além de amor/ é dor”, entre outros versos onde a imagem de Deus é em forma de busca constante, não de interrogação.
O resgate das várias gerações é bem descrito por Walter Galvão no prefácio da obra. “Existencialismo e vanguardas, internacionalismo e tropicalismo coabitam, definem-se, integram-se e atritam-se neste livro de poemas do multiartista Carlos Aranha. “Nós an Insight” é portfólio d´Essas Coisas transformadas e transformadoras que criamos e pelas quais somos criados permanentemente nos inúmeros labirintos em que vivemos nestas galáxias do sentir, pensar, conceber e comunicar”, diz Galvão.
De fato, a poética de Aranha traz dentro dela todo esse cabedal de que fala Galvão. E outros ainda não mencionados. Somos todos contemporâneos dessa poética. E não precisa ter convivido com Aranha pessoalmente para reafirmar o que acabamos de escrever.
Estão lá nas páginas de “Nós an Insight”. Filmes de Bergman, a geléia geral de Torquato, o blues, Hermeto Paschoal, o relógio do Lyceu, o misticismo de Gilberto Gil, o rock paraibano do Sombras Dolentes, a pop-poesia de Jomard Muniz de Brito, Kerouac, os poetas que surgem nos blogues da vida, o protesto sofrido de Vandré, a dialética de Caetano Veloso e o diálogo entre poesia e filosofia. Tudo junto e misturado, como se fosse um álbum que a gente recorresse para lembrar de nossas próprias ilusões. De nossos sonhos e angústias, que fomos vivendo e percorrendo ao longo dos últimos quarenta anos.
Mas eu dizia que “Nós an Insight” é cosmopolita. Não seria Aranha se não fosse cosmopolita. E se Augusto dos Anjos recorre ao famoso tamarindo para falar do seu mundo singular, azedo até, Aranha recorre ao Lyceu paraibano para dar a senha necessária a que nós adentremos em seu mundo plural, colorido, tropicalista. O Lyceu e o seu relógio, nas badaladas diárias de várias gerações. Aliás, Aranha recorre ao Lyceu como se quisesse dizer que o tempo não pára, para citar Cazuza, também presente em “Nós an Insight”. É como se o Lyceu e o seu relógio fosse a testemunha recorrente das várias gerações que surgem e morrem no entorno do Parque Sólon de Lucena, fonte maior da inspiração de Aranha quando parte de João Pessoa para o mundo.
Antes de tudo, “Nós an Insight” é um livro bem escrito, é bom que se diga. Aranha surpreende com uma obra bem resolvida, literariamente falando. Domina bem os versos, os recursos estilístico e literários, sem preocupação didática e muito menos arroubos juvenis para um livro de estréia. É uma obra que já nasce pronta, sem muitos questionamentos estéticos e estilísticos.
O diálogo com Augusto dos Anjos é o ponto de partida de “Nós an Insight”, sim. Mas é apenas o ponto de partida. Aranha buscou no nosso poeta maior a “escada” para que chegássemos à sua poética sem qualquer medo de ser feliz. Não há termo de comparação entre o “Eu” de Augusto dos Anjos e o “Nós an Insight”, de Aranha. São obras distintas. Aranha não procura copiar Augusto, como a maioria dos poetas que busca em outro autor inspiração para sua poética. Ele busca em Augusto o contraponto, mas sem negá-lo. Sabe o quanto Augusto formou gerações de poetas no mundo inteiro, ainda mais na Paraíba, por ser nossa referência maior na poesia. Por isso, busca em Augusto o nós negado pelo poeta do Eu. Busca em Augusto a construção perfeita para que sua lide seja um estuário de vários mundos num só.
Um poema de Carlos Aranha
NÓS
Ao poeta maior: Augusto dos Anjos
A nossa luz há de brilhar ali.
Sem sombra, assombro,
assumo o ser que somos nós.
Deus é ser de tom tamanho
que seu silêncio é som da nossa voz.
Nós reatamos nossos górdios nos
até rompermos o macho hímem criador.
Sutilezas, pós-Augusto, sempre sóis,
costelas adâmicas arrancadas com amor.
Our light:
insight.
Besame mucho,
muitíssimo brilho,
Pós-hedônicos,
nos masturbamos à sombra do tamarindo
plantado num cemitério de Paris.
Voulez-vousmangeravec moi?
Algum poeta convidado para jantar?
Help me,
ah, Socorro, como te amei…
Sapé, Campina Grande, Taperoá,
tudo, todos, tão sem distância.
O tamarindo agora é um obelisco em holograma
e os anjos com Augusto,
numa cósmica lagoa,
falam dos poemas que você fez para mim.
Pra mim? Pr´ocê?
Somos nós: um só ser
igual e iguais a Deus,
imagem retrospectiva,
semelhança introspectiva.
A nossa luz há de brilhar ali.
Linaldo Guedes
Jornalista e poeta. Nascido em Cajazeiras, no Sertão da Paraíba. Radicado em João Pessoa desde 1979. Como poeta, lançou os livros “Os zumbis também escutam blues e outros poemas” (A União/Texto Arte Editora, 1998), “Intervalo Lírico” (Editora Dinâmica, 2005), “Metáforas para um duelo no Sertão” (Editora Patuá, 2012) e “Tara e outros Otimismos” (Editora Patuá, 2016). Lançou, em 2015, “Receitas de como se tornar um bom escritor”, pela Chiado Editora, de Portugal.
Tem textos e poemas publicados em dezenas de livros lançados no Brasil, incluindo antologias. Sua produção literária e fortuna crítica podem ser acessadas nos seguintes blogues:
Site: https://conversandosobrelinaldoguedes.wordpress.com/