Astrônomos amadores descobriram chuvas de meteoros
As primeiras chuvas de meteoros brasileiras foram descobertas recentemente pela Rede Brasileira de Observação de Meteoros (Bramon, na sigla em inglês), que é composta por 54 astrônomos amadores e profissionais. Os fenômenos foram batizados por Epsilon Gruids e August Caelids e foram reconhecidos oficialmente pela Bramon.
A descoberta inédita foi realizada após três anos de coleta de dados e analise de mais de 86 mil registros no céu, os astrônomos amadores descobriram as duas novas chuvas de meteoros anuais as primeiras descobertas do gênero até hoje.
Segundo os astrônomos elas podem ser vistas em todo o hemisfério Sul, mas são consideradas nacionais por terem sido identificadas no Brasil.
Os céus do nosso país são monitorados desde o ano de 2014, todos os meteoros que surgem são logo registrados. Para se ter uma ideia do trabalho desenvolvido pelos astrônomos, a rede conta com 82 estações de monitoramento, distribuídas nos 19 estados do Brasil.
A Bramon uma das maiores redes de monitoramento do mundo e uma das poucas do hemisfério sul da Terra, possui um banco de dados com mais de 86 mil vídeos com imagens de meteoros.
Rastros luminosos
O planeta Terra, ao fazer o seu giro anual ao redor do Sol, depara-se algumas vezes com pequenas partículas no espaço. Cada vez que estas partículas entram na atmosfera e queimam, formam os rastros luminosos dos meteoros, as conhecidas “estrelas cadentes”. Em algumas datas são singularmente favoráveis a visibilidade, e justamente nestas noites é que ocorrem as chuvas de meteoros.
Todas estas “chuvas” são catalogadas pela União Astronômica Internacional, com as datas e as posições no céu em que tornam-se visíveis. Quase 800 grupos de meteoros são listados.
A Rede Brasileira de Observação de Meteoros – Bramon faz o registra de um mesmo meteoro sob vários pontos de vista, ou seja, os vídeos de um mesmo meteoro são gravados em cidades diferentes. Todo esse trabalho possibilita determinar a órbita que o referido meteoro possuía antes de encontrar a Terra pelo caminho.
Nos três anos de operação, foram determinadas 4. 205 órbitas, na sua maioria, meteoros participantes de “chuvas” já catalogadas. Outros, num primeiro olhar, pareciam apenas vir de pontos aleatórios do céu.
No ano de 2016, os pesquisadores Carlos Di Pietro (São Paulo – SP) e Marcelo Zurita (João Pessoa – PB) observaram que um grupo de meteoros pareciam surgir de um único ponto no céu, bem na constelação do Grou. Mas confirmar uma nova chuva de meteoros não é tarefa fácil, uma série de testes devem ser empregados e a matemática envolvida não é das mais simples.
No final de janeiro de 2017, outro integrante da Bramon, Lauriston Trindade (Maranguape – CE) integrou o grupo de pesquisa com objetivo de tocar os cálculos e conseguir a validação da descoberta. Foram centenas de cálculos, envolvendo milhares de meteoros, dezenas de leituras de artigos para o entendimento dos cálculos, ferramentas matemáticas tiveram que ser totalmente desenvolvidas para facilitar o trabalho.
E depois de tanta perseverança, não só foi possível validar o primeiro grupo descoberto como encontrar um segundo grupo válido, e a Bramon estava prestes a conseguir a descoberta de duas chuvas de meteoros.
Os dados colhidos das duas chuvas de meteoros foram comunicados a Meteor Data Center, no último dia 9 de março, sendo que em 20 de março, as duas novas chuvas descobertas pela BRAMON foram incluídas na lista oficial da União Astronômica Internacional (IAU).
A Epsilon Gruids quanto a August Caelids foram inclusas com o status “Working pro tempore”. Uma vez que são “chuvas” com baixa taxa de ocorrência de meteoros, e ainda carecem de mais observações, que agora serão feitas por outros observadores espalhados pelo mundo.
De acordo com a Bramon, descobertas desta natureza possuem muitos significados para a comunidade científica, pois mostra o poder de uma rede de pesquisa voluntária e colaborativa, formada por cidadãos comuns que tem interesse em produção e divulgação científica.
Figura 1. Composição das órbitas dos meteoros do radiante Epsilon Gruids. O Sol (em amarelo) é representado no centro da imagem, a Terra (em azul) está à esquerda do Sol.
Fiigura 2. Composição com as órbitas do radiante August Caelids. O Sol (em amarelo) pode ser visto no centro da imagem. A Terra (em azul) está á direita do Sol.
O membro da Associação Paraibana de Astronomia (APC) Marcello Zurita, atual diretor técnico da organização, declarou: “Foi à concretização de um sonho que passamos a sonhar juntos desde o meteoro de Chelyabinsk na Rússia, em 2013. Na época, Marcos Jerônimo e eu começamos a estudar a possibilidade de criar uma rede de monitoramento de meteoros na Paraíba. Em outubro de 2014, após a explosão de um grande meteoro sobre Recife, tivemos contato com Carlos di Pietro, um dos fundadores da Bramon”.
Zurita ingressou na Rede Brasileira de Observação de Meteoros no ano de 2015. “Eu em janeiro, eu e o Marcos Jerônimo em maio passamos a contribuir com a rede. Mas, não imaginávamos naquela época que poderíamos contribuir tanto. Não há como não se emocionar quando vejo hoje a grandiosidade desse feito. Porque me lembro do nosso início na rede, do nosso esforço para montar e ajustar a câmera, em aprender a analisar cada meteoro, transformando aquelas imagens em números. Vejo que era aí que estava o princípio dessa descoberta. No trabalho mínimo e precioso de registrar e analisar cada meteoro. A união desse trabalho de todos os operadores da rede é que possibilitou a descoberta”. Relembrou.
Ao comentar sobre o fenômeno o astrônomo Marcos Jerônimo da Estação Cabo Branco – Ciência, Cultura e Artes, destacou que a descoberta dos novos radiantes de meteoros veio fortalecer a Ciência Astronômica no fato da inclusão de duas órbitas ou pontos de possíveis chuvas de meteoros para o Hemisfério Sul. “Para a humanidade, uma vez estabelecida essas órbitas, de origens asteroidais ou cometárias, ficam certas as possibilidades de desvios das naves que futuramente se encaminharão para o espaço, no sentido de desviar dessas órbitas evitando colisão com as partículas existentes nessas trajetórias”.
Segundo Marcos Jerônimo, a observação dos céus é uma prática comum há mais dois séculos no Hemisfério Norte e por aqui tem aumentado o interesse de amadores, com as novas descobertas haverá um maior incentivo para as atividades de observações celeste.
Epsilon Gruids e August Caelids
É normal as chuvas descobertas apresentarem um baixo índice de meteoros por hora, uma vez que todas as grandes chuvas de meteoros já foram mapeadas há mais tempo. As descobertas são validadas com a utilização dos 17 meteoros registrados no Brasil, e dois meteoros registrados nas Ilhas Canárias. Esses últimos foram disponibilizados gentilmente pela EDMONd.
No mês de junho ocorre o fenômeno, a sua máxima é por volta do dia 11, e a Epsilon Gruids foi a primeira das chuvas recém-descobertas. Seus meteoros parecem irradiar da constelação do Grou, próximo à estrela Epsilon Gru, que dá nome a essa chuva. Ela foi validada com 7 meteoros brasileiros e 2 da rede europeia.
Por outro lado, a August Caelids ocorre na Constelação do cinzel. Seu radiante está entre as estrelas Alfa e Beta daquela constelação e sua máxima se dá no dia 5 de agosto (mesma data de aniversário da cidade de João Pessoa). Seu nome é uma composição do mês em que ela ocorre e do nome da constelação em latim.
Pesquisador amador: um novo aliado da ciência
Os projetos de estudos que envolvem amadores começam a ganhar espaço no Brasil. É tanto que foi criado o conceito de “ Ciência do Cidadão”, que conta com a contribuição de pessoas comuns e pesquisadores amadores na produção do conhecimento científico nas áreas de pesquisa como biodiversidade e mudanças climáticas.
Algumas instituições já perceberam que podem ser beneficiadas com a participação popular, no mapeamento das espécies de animais em regiões extensas, ou para coletar dados meteorológicos em tempo real em múltiplos locais.
A astronomia é o campo em que mais atuam cidadãos cientistas, um exemplo de cidadão cientista é o astrônomo amador Tasso Napoleão, 66 anos. “Sou engenheiro de formação, trabalhei a vida toda nessa área e já me aposentei, mas me interesso pelos cosmos desde os 6 anos de idade e adquiri meu primeiro telescópio aos 10”, declarou Tasso.
Ele acrescentou que há uma grande sinergia entre amadores e profissionais: “Os cientistas têm telescópios muito mais potentes à disposição, mas o tempo de uso é muito restrito e caro. Os amadores têm redes espalhadas em todo o globo e todo o tempo que quiserem podemos varrer 700 galáxias por noite. Por isso há complementaridade”.
Com informações: Veja / Estadão Ciência / Adriana Crisanto e Assessoria da Bramon / Bramon – Brazilian Meteor Observation Network