Entre blues, poesia e tributos
Astier Basílio drummondiano? Às vezes sim, como a maioria dos bons poetas contemporâneos. No fundo, um ou outro vai estar sempre pagando tributo à influência de Carlos Drummond. No caso de Astier, isso fica evidente em vários poemas de seu emblemático livro – “Eu sou mais veneno que paisagem”, lançado pela Câmara Brasileira de Jovens Escritores. Mas, principalmente, no último soneto que fecha o livro.
Em “Soneto para o blues no fim do túnel”, há aquela desesperança tão presente em “José”, de Drummond. Como o leitor deve lembrar, José é o personagem angustiado do célebre poema drummondiano, que mereceu versão musical de Paulo Diniz. Vive sozinho no escuro, qual bicho do mato, sem teogonia ou parede nua para se encostar. Sem cavalo preto que fuja a galope, José marcha, mas não sabe para onde. Enfim, um personagem que não consegue encontrar a luz no fim do túnel.
Em seu soneto, o eu-lírico basiliano repete a monótona saga drummondiana. Assumindo a opção de estar sozinho, o eu-lírico lamenta: “se ao menos houvesse uma garrafa, um velho disco ou um número na agenda, ou algum lucro”. Mas como, se feito José não há lucro nenhum aqui. Nem como apagar a luz no fim do túnel, porque já não há mais túnel, roubada que foi a lâmpada. O resto é espinho,
Não há mais dois lados, porque, segundo o poeta, todas as placas dão para um caminho único. Será? Em relação a poesia de AstierBasílio somos obrigados a discordar. O que não existe na lírica basiliana é caminho único.
“Eu sou mais veneno que paisagem” é, de certa forma, uma seqüência de seu livro anterior – “Antimercadoria”. Num como no outro, Astier Basílio envereda pelos mais diversos caminhos da poesia: sonetos, poemas minimalistas, poesia inventiva, poemas-homenagens a escritores, artistas e amigos, enfim…
Neste caso, Astier continua se saindo melhor no soneto. Consegue ter um bom domínio da técnica e fazer poemas que valem o livro, como “Soneto de Amor de Tonho e Paco”, dedicado a Plínio Marcos.
Mas isso não quer dizer que não se saia bem em outros estilos. Aliás, Astier é provocativo quando quer. Em determinado momento, quis escrever poemas inventivos e saiu-se bem, tanto que seus versos acabarem sendo aceitos por este segmento da nossa literatura.
A busca da experiência é uma constante em sua produção poética. Mas ele sabe muito bem onde quer chegar. Na verdade, quer continuar expondo seu veneno lírico nas paisagens literárias brasileira. Sem nenhum compromisso com ninguém, a não ser com a sua própria forma de ver poesia. Para isso, tem incorporado com talento influências de outros segmentos que não o literário, como o teatro, a música e o cinema, além do cotidiano presente em suas retinas, claro.
Neste caso, sua antologia é única mesmo e seus gritos não foram feitos para todos os ouvidos. Como diz no poema “repetição”
“ficar por aí
provocando o mesmo raio
é não ter cabeça
para um novo
acidente”.
Linaldo Guedes
Jornalista e poeta. Nascido em Cajazeiras, no Sertão da Paraíba. Radicado em João Pessoa desde 1979. Como poeta, lançou os livros “Os zumbis também escutam blues e outros poemas” (A União/Texto Arte Editora, 1998), “Intervalo Lírico” (Editora Dinâmica, 2005), “Metáforas para um duelo no Sertão” (Editora Patuá, 2012) e “Tara e outros Otimismos” (Editora Patuá, 2016). Lançou, em 2015, “Receitas de como se tornar um bom escritor”, pela Chiado Editora, de Portugal.
Tem textos e poemas publicados em dezenas de livros lançados no Brasil, incluindo antologias. Sua produção literária e fortuna crítica podem ser acessadas nos seguintes blogues:
Site: https://conversandosobrelinaldoguedes.wordpress.com/