HBF e a paixão pela leitura literária

Em carta endereçada a João Cabral de Melo Neto, no longínquo ano de 1942, o poeta Carlos Drummond de Andrade afirmava: “Sou da opinião que tudo deve ser publicado, uma vez que foi escrito. Escrever para si mesmo é narcisismo, ou medo disfarçado em timidez”. Talvez pensando nessa máxima do poeta de Itabira, é que Hildeberto Barbosa Filho não para de produzir e publicar. Entre poesia, crítica literária, jornal literário, crônicas e memórias, são algumas dezenas de obras publicadas desde quando estreou em livro com “Aspectos de Augusto dos Anjos”, em 1981. Agora, chega às livrarias com mais dois livros: “Os Livros (a única viagem)” e “As Palavras, Minha Vida! (Memorial)”, obras que se completam e se complementam na paixão pela leitura, principalmente pela leitura literária.

O Memorial “As Palavras, Minha vida!” é um bom exemplo dessa paixão. Escrito como trabalho acadêmico para sua ascensão funcional na Universidade Federal da Paraíba, o livro, editado pela Ideia, dá a dimensão exata de como Hildeberto Barbosa Filho sempre viveu em torno dos livros, seja como poeta ou crítico literário, seja como professor. São memórias de suas atividades profissionais e literárias, mais da primeira do que desta. Mas atenção, o leitor não pode se fiar no tecido de qualquer confissão, diz o próprio HBF: “Quem revela oculta, e o ato de narrar implica simultaneamente no jogo do mostrar e do esconder”.

Neste jogo de esconde-esconde é que conhecemos mais o autor. Nascido em 1954, Hildeberto é natural de Aroeiras, no interior paraibano, e embora as primeiras incursões nas lides literárias tenham começado na caatinga ainda, não pretende parar por aqui, nem com o avanço da idade e nem com a aposentadoria profissional. No Memorial, recorda a iniciação na cartilha via Dona Zulmira, sua primeira professora, e os passeios a cavalo, afinal, cita Paulo Freire, a leitura do mundo precede a leitura da palavra. O espaço mágico, para ele, seria sempre a sala de aula. Primeiro como aluno, depois como professor. “Só se educa com paixão”, define o ofício do magistério.

Fala, no Memorial, do curso de Direito, de estadia em outras cidades, como São Paulo, e das reações de autores às suas críticas literárias publicadas em jornais e livros. Eis um trecho: “Não sabendo separar a obra do autor, e considerando-se imunes a qualquer abordagem crítica, nunca compreenderam, de fato, o alcance e a função da exegese literária. Sem preparo intelectual e sem substância ética, reagiram com os tacapes da intolerância, da inveja e da má-fé. Resultado: criei os inevitáveis desafetos”. Em consonância com o ofício de crítico literário, começou a publicar também seus livros de poesia, sendo o primeiro deles “A Geometria da Paixão”. E também recebeu críticas, e elogios. Em “As Palavras, Minha vida!”, HBF reproduz trechos de algumas dessas críticas, antes de retomar as narrativas sobre o ofício de ser professor. Em uma dessas passagens, lamenta: “Sei que não se ensina a amar a literatura, mas era isto o que mais desejava”.

Esse desejo seria transposto para o outro livro lançado por Hildeberto este ano: “Os Livros (a única viagem)”. Agora são crônicas, publicadas pelo autor no jornal A União e reunidas em livro também editado pela Ideia. Crônicas, eu diria, sobre o alumbramento com a leitura e o encantamento pela literatura. E aqui cabe de tudo um pouco, desde que esteja atrelado ao universo literário, claro. Ao falar da origem da leitura, por exemplo, lembra que palavra puxa palavra, livro puxa livro e autor puxa autor. Assim, se pensa na palavra “vereda”, lembra de Guimarães Rosa, pensar em “pedra” remete aos versos de João Cabral de Melo Neto, e por ai vai. Em outra crônica, fala de livros cuja leitura seria indispensáveis, como “Divina Comédia”, de Dante, ou “Madame Bovary”, de Flaubert. E em outra, dos que leem, mas não compreendem, afinal ler muito não quer dizer ler bem, reitera.

A obsessão por títulos é uma marca do cronista, que defende que escrever um poema é dançar com facas. Curiosamente, diz em outra crônica não ser um bom leitor de poemas. Como assim, como um crítico literário não é um bom leitor de poemas? Ele explica: “Quando leio poemas, quero logo escrever poemas, e a leitura fica em suspenso, amputada, vazia, à espera de outro momento e de outra circunstância que, grosso modo, tendem a se repetir sob a mesma modulação”.

As crônicas continuam divagando sobre esse universo mágico. Afinal, o livro pode ser um mundo, maior que a gente, como diria Rosa. O escritor é antes de tudo um leitor, mas existem formas de ler determinados livros. Há livros com segredos de botija. Outros inacabáveis. Outros, ainda, que encantam pelas dedicatórias que seus autores fazem. E a viagem pela biblioteca? E a utopia de um dia ver o nosso Pavilhão do Chá cercado de livros? E o que seria o colecionador de contos? E os dicionários, por que eles encantam? E as manias do leitor? O fascínio pelas coleções? Ah, não esqueçamos que há livros que não releríamos, que existem romances indispensáveis e autores reais, livros imaginários. Afinal, quem tem mania de livro, só pode citar Franz Kafka: “Tudo que não é literatura me aborrece”.


Linaldo Guedes

Jornalista e poeta. Nascido em Cajazeiras, no Sertão da Paraíba. Radicado em João Pessoa desde 1979. Como poeta, lançou os livros “Os zumbis também escutam blues e outros poemas” (A União/Texto Arte Editora, 1998), “Intervalo Lírico” (Editora Dinâmica, 2005), “Metáforas para um duelo no Sertão” (Editora Patuá, 2012) e “Tara e outros Otimismos” (Editora Patuá, 2016). Lançou, em 2015, “Receitas de como se tornar um bom escritor”, pela Chiado Editora, de Portugal.

Tem textos e poemas publicados em dezenas de livros lançados no Brasil, incluindo antologias. Sua produção literária e fortuna crítica podem ser acessadas nos seguintes blogues:

Site: https://conversandosobrelinaldoguedes.wordpress.com/

Site: https://linaldoguedes.wordpress.com/

E-mail: linaldo.guedes@gmail.com

One thought on “HBF e a paixão pela leitura literária

  • 20 de agosto de 2017 em 11:08
    Permalink

    Parabéns pela estreia da coluna, Linaldo. Você tem cabedal para fazê-la rica e interessante. Uma prova é esse começo com Hildeberto!

    Resposta

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.