Irmãos judeus que abandonaram a escola por bullying sonham em ser reconhecidos pela arte
Uma história cuja espontaneidade supera toda e qualquer exclusão. Fala de sonhos e esperanças e o enorme desejo de vencer, superar. Mas para realizar o seu sonho os irmãos precisam de ajuda
Campina Grande – Paraíba. Em uma rua de casas simples no bairro Jardim Continental, mora a família de judeus de linhagem sefardita: seu Jonas e Dona Rosilene – pais de Golda Meier e Yitzhak.
Eles vivem numa casa modesta e inacabada – separada por uma cerca do restante da rua, não tem Jardim. Quando chove é muita lama, nos dias de sol a poeira é constante. A morada não tem janelas na sala, mas ao adentrar ao espaço percebe-se que o que tem dimensão Continental aqui é a história dessa família.
Seu Jonas tem como décimo avô o Capitão Teodósio de Oliveira Ledo, considerado o fundador da cidade de Campina Grande, município paraibano de quase meio milhão de habitantes. Muitos podem até conhecer a história do Capitão Teodósio, mas desconhecem a história de vida de seu Jonas e sua família.
Dona Rosilene nasceu no vizinho estado de Pernambuco, na cidade de Caruaru – conhecida como a Capital do Forró.
A história dos antepassados deles já é uma trajetória de lutas e perseguições, visto que fugiram para o Brasil após os constantes ataques às comunidades judaicas na Europa. Esse mesmo sentimento sofrido pelos ancestrais foi experimentado pelos filhos mais velhos do casal: Golda Meier e Yitzhak.
Golda Meier e Yitzhak
De corpo franzino, Golda Meier acaba de completar 17 anos. Ela traz no nome a homenagem a uma das fundadoras de Israel, a ex-primeira-ministra. Yitzhak, de 19, também tem nome de ex-primeiro-ministro.
Para quem está acostumado a ouvir os nomes mais comuns como Maria e José – ouvir alguém ser chamado por Golda e Yitzhak chega a soar estranho. Os nomes são incomuns para a cultura local. Mas existe algo que supera toda e qualquer estranheza, a enorme sensibilidade dos jovens para a arte.
Apesar da capacidade dos jovens – eles tiveram que lidar com o preconceito e foram vítima de bullying na escola. E não foi fácil ter que conviver com pessoas que não os aceitavam por achar que eles eram diferentes, estranhos.
“Eu e meu irmão éramos discriminados, não sei porquê, porque ficam perguntando se a gente é daqui, mas o povo diz porque teu sotaque é estranho, não aceitam, meu irmão já apanhou, foi terrível, eu também já fui muito criticada na escola. Eu enfrento, mas meu irmão foi mais humilhado“, conta Golda.
Yitzhak ou Isaac, Isaque – significando literalmente “Ele vai rir” (Enciclopédia Global), claramente sofre com as marcas desse processo (humilhação/intimidação que chega a ser traumatizante). Ele não consegue falar sobre o tema. O significado do seu nome não ficou apenas nas palavras, mas não no riso em si. Suas risadas foram roubadas pelos que zombavam dele.
O bullying atrapalhou a vida escolar. Com a chegada da pandemia, a situação se agravou dificultando a permanência na escola e, para piorar a situação a moto de seu Jonas quebrou. O transporte escolar da família, a motocicleta ficou encostada num canto da sala, junto a uma biblioteca cheia de livros e uma menorá ( no hebraico: candelabro de sete braços – símbolo do judaísmo), e em meio a quadros pintados a óleo, uma experimentação entre o estilo abstrato e o surrealismo. Pinturas do seu Jonas.
Seguiram os passos do pai
Yitzhak e Golda seguiram os passos do pai, um artista autodidata. Seu Jonas é responsável pelo desenho da bandeira da cidade de Boa Vista (PB). Golda, a filha orgulhosa – fez questão de inserir no Wikipédia como sendo de seu pai, pois nem esse reconhecimento havia.
“A Bandeira e Brasão do município de Boa Vista – Paraíba foram criadas pelo artista plástico auto-didata Jonas Araújo Figueirêdo (JAFÍ), que nasceu em 03/03/1969, filho de Margarida Soares de Araújo e Dorgival Braga Figueirêdo.
A Bandeira e Brasão de Boa Vista – Paraíba foi feita em homenagem a Israel, ao Rei David, Teodósio de Oliveira Lêdo (Capitão – Mor) e sua descendência de origem Sefardita (ספרדי-Sefaradi) ou (cristãos novos).
Estrela de David (Rei de Israel), de seis pontas, saindo do vértice inferior da mesma, um cacto verde erguido com sete hastes naturais (como um candelabro judaico), a do meio, que é a primeira, está ligada ao solo, as 2°, 3°, 4°, 5°, 6°, 7° hastes, em sentido descendentes às central. Todas saindo da haste central, tomando a forma de uma menorah (castiçal 1) de sete hastes, do templo do rei Salomão, acima paira um chapéu nordestino, sobre o sol ardente de céu sem nuvens, que abraça a terra cinza semidesértica. Na parte inferior desse chapéu, há cinco círculos pequenos e brancos, simbolizando os cinco livros da TORAH ou PENTATEUCO.”
A arte
Se atentarmos para o centro da bandeira lá está a estrela de Davi, um símbolo do Judaísmo que significa escudo. A estrela também está pintada na parede da sala da casa, mas o escudo que essa família utiliza para se proteger dos ataques que sofrem é a arte, o único refúgio disponível.
A estrela de Davi também está no centro do chapéu de couro nordestino, indicando a ligação estreita que existe entre estes dois povos historicamente, além do cacto com sete braços, numa alusão ao candelabro judaico (Menorah), e as cinco hastes do cacto em destaque, lembrando os cinco livros da Torah.
Golda Meier se inspira em Dior
Sonha ser famosa. Enquanto o sonho não se realiza – Golda quer conclui seus estudos mas de forma presencial. Ela quer voltar à escola. “Não queria ter perdido esse ano da escola não. Nunca reprovei, nem perdi nenhum ano letivo“, ressalta.
Anteriormente o tempo era dedicado a escola, agora é voltado inteiramente à arte ou aos estudos em casa. A menina desenha inúmeros modelos de moda, principalmente croquis. “Só quem faz croqui aqui em casa sou eu”, salienta.
Golda além de praticar a sua arte, sabe muito bem organizar o seu espaço de trabalho. Ela tem tudo arrumado e nos mínimos detalhes. Uma mesa grande no centro da sala onde reúne todos os desenhos – especificados: um a um – por ano de produção e época de referência. É quase um ateliê.
Os modelos de roupas nunca antes transpostas do papel para o tecido parecem já ser familiares, como se representassem modelos que já utilizados um dia por alguém. Espetacular! Aproximadamente um Déjà-vu (expressão francesa, que significa “já visto”. Usada para indicar um fenômeno que acontece no cérebro da maior parte da população mundial).
Golda Meier se inspira no estilista francês Christian Dior e nos filmes dos anos 50. Ao assistir os filmes em casa ela começou a observar bem como as estrelas do cinema se vestiam. “Comecei a admirar os modelos daquele tempo e me veio a ideia de juntar meu jeito de desenhar com aquele estilo“, conta.
Neta de uma habilidosa rendeira
Golda é neta de uma mulher do Cariri paraibano, Dona Margarida. Sua avó produzia vestidos em Renda Renascença (A arte surgiu nos fins da idade média na França, Itália, Inglaterra e Alemanha. Chegou no Brasil no século XVIII, através das famílias portuguesas colonizadoras. Na Paraíba, estima-se que mais de três mil rendeiras em renascença, de cinco municípios do Cariri paraibano, permaneçam fazendo este artesanato na região).
O oficio praticado pelas moças de fino trato era praticado pela avó de Golda. A habilidosa rendeira Dona Margarida morava na cidade de Boa Vista.
Lembram da bandeira da cidade, feita por Jonas, o pai de Golda?
Pois bem, a garota talentosa conta que a sua avó Margarida, quase foi morar em Paris pela sua habilidade com a costura. Ficou nas mãos da neta a chance de recomeçar essa história não concluída.
Mas para realizar o seu sonho Golda precisa de ajuda. “Queria patrocínio para produzir os modelos. Sempre foi o meu sonho ser lançada como estilista e assinar desfiles nacionais e internacionais, como a São Paulo Fashion Week”. SPFW, corre aqui, vai!
Nas charges Yitzhak busca risadas
Enquanto Golda desenha para a moda, Yitzhak vai seguindo por outro caminho. Ele estuda hebraico sozinho, ouve música. O garoto é um leitor assíduo da Bíblia Sagrada em hebraico. Enquanto lê vai fazendo correções na tradução e dedica também seu tempo a sua arte, a produção de charges e caricaturas.
Golda conta que Yitzhak sofria violência na escola, até dos próprios professores. Ele ficava trancado na sala no intervalo das aulas e sofria chutes e insultos. As charges e caricaturas uma espécie de “válvula de escape”, uma tentativa de mudar a realidade e ajudar a construir uma realidade diferente.
Avner Sharon de 11 anos e Ariêl Eliáhu de 13, os dois filhos mais novos, seguem o exemplo. Os desenhos são infantis, mas o traço é refinado. Em um deles, Ariêl tentou reproduzir o estilo natureza-morta.
Yitzhak e Jonas agora trabalham em um hotel da cidade, mas a melhor recepção é na casa deles. Eles são exemplos de que não se deve retribuir o mal com o mal e fazem questão que suas ações sejam de respeito, acolhimento, simpatia e receptividade. A história de vida e superação desta família é a prova viva que praticar o bem com quem quer que seja ajuda a alimenta os sonhos. Eles seguem suas vidas, um dia de cada vez, lutando por dias melhores e sonhando em ser reconhecidos pela arte.
Cá pra nós! Não vai demorar e eles vão conseguir realizar muitos e muitos sonhos! O Conexão Boas Notícias não só divulga a história deles, como também faz parte da torcida!
Muita sorte. Sucesso e grandes conquistas – Golda Meier e Yitzhak. Assim seja!
Instagram @ goldameir.stylist
Com informações: RPA