Marco Di Aurélio: Nordeste redescoberto em poesias e movimento
Para conhecer é preciso andar. Longe dos arranha-céus e das belezas plásticas, a paisagem e as gentes da terra descortinam-se frente aos olhos do poeta Marco Di Aurélio.
Pernambucano, radicado na Paraíba, Marcos Aurélio Gomes de Carvalho, desbrava um Nordeste entre versos, lentes e movimento. A arquitetura da casa às margens da estrada, o nevoeiro denso sob a vegetação do semiárido, as vozes e o sons que percorrem um interior sem fim transformam-se em poesia e registros de uma cultura viva e rica.
“Por lá, onde se encontra tal riqueza, me fiz soberano em desejar mostrar e fortalecer a nossa cultura”, disse. O Conexão Boas Notícias conversou com o poeta, escritor, cordelista, ator, fotógrafo e documentarista Marco Di Aurélio sobre cultura popular, os interiores do Nordeste e a arte dos lugares e de pessoas.
É um ativista cultural. De onde veio esse desejo de mostrar a cultura regional?
Sou fruto do meio em que fui formado. Costumo dizer que meu anel de formatura eu obtive por vivenciar de forma intensa as feiras livres de cidades interioranas. Elas me mostraram o vigor de universos paralelos, mas complementares, onde o mundo rural e o mundo urbano se abraçam de forma profunda e conveniente frente às suas necessidades de trocas. Esse casamento, esse encontro semanal, alimenta um intercâmbio de conhecimentos que em muitos poucos lugares se consegue tal propiciamento. E por lá, onde se encontra tal riqueza, me fiz soberano em desejar mostrar e fortalecer a nossa cultura.
De que forma essa sua imersão na cultura popular nordestina te despertou para poesia?
Naquela mesma feira fui agraciado ao conhecer o mundo da poesia através dos repentistas, dos emboladores de cocos e dos artistas de rua. E, sendo alcançado pelo poder narrativo de tais espetáculos, não foi difícil ter me sentido fascinado por eles.
Anda pelo interior ouvindo histórias, conhecendo lugares e artes. Como é a descoberta desses ambientes?
Cada canto tem seu canto, tem seu cheiro. Cada lugar, de uma forma auto organizada, tem suas figuras, assim como eu, também fascinadas pela arte e a fazer arte. Cada descoberta é mais uma moeda no baú desse tesouro imensurável que é o nosso chão do Nordeste brasileiro. E isso, por ser impressionante, nos faz desejar mais viagens, mais contatos.
Também produz curtas. O que o move a produzir esses trabalhos?
Sou filho de fotógrafos, pai [Aurélio] e mãe [Ester]. E como a imagem é um suporte muito forte, tanto para subjetividades, como para o puro realismo, achei por bem enveredar pela imagem em movimento. Além da produção de três curtas-metragens, tenho mais quinze documentários numa série chamada “Tesouros do Cariri”, sobre a vida e obra de artistas do cariri ocidental paraibano.
É autor da primeira edição de literatura de cordel do sistema Braille no Brasil. O que representou essa obra na sua trajetória e como foi a recepção desse público?
Foi uma ocorrência muito interessante. Depois de haver vertido dez folhetos para o sistema Braile, tentei encontrar pessoas que estariam fazendo o mesmo, para me enturmar em tal produção. E descobri que não havia ninguém. Portanto, estava eu produzindo a primeira edição de folheto em Braile no Brasil. A recepção foi ótima, pois a oferta de leitura em Braile no Brasil é aquém de sua real necessidade.
O que falta para que a população do Nordeste se aproprie totalmente da riqueza cultural da região?
Falta-lhe conhecimento de nossa história. Falta-lhe educação. Tenho uma máxima: quando a cultura de um povo se deixa invadir por uma outra cultura, é porque sua cultura era fraca, insignificante e miúda, do tamanho do povo que a deixou morrer.
Como surgiu o sarau poético/musical “7 Bocas de Luz” e qual a proposta do grupo?
Estamos nesse eito há mais de dez anos. Reunimos um grupo de amigos, poetas e musicistas, e começamos a levar saraus poéticos musicais para pequenas cidades do interior da Paraíba.
Fugindo de vínculos como editais, e de quaisquer instituições, mantivemos até hoje nossa liberdade de brincantes. Cantando e declamando para as pessoas que a gente quer, nos lugares onde a gente quer, no dia e horário que a gente quer. Não ensaiamos, cada um sabe o que fazer, e dispensamos qualquer tipo de remuneração. Nosso tipo de arte não é mercadoria.
Poetas e musicistas que nos tem acompanhado: Pedro Soares, Roberto Cajá, Chico Viola, Haidée Camelo, Octávio Caúmo, Civaldo Andrade, Joca da Costa, Roberto Araújo, Chico Pedrosa, Oliveira de Panelas, Carlos Araújo, Fernando Pintassilgo e João Nicodemos.
Cordel “Autodidata” de Marco Di Aurélio
Sou apenas um poeta
de letras ajuntador
não completei a escola
me ocupei trabalhador
mas não sou ignorante
de leitura interessante
nisso sim me fiz doutor.
Um doutor de entender
da vida sua grandeza
do mundo e seus confins
do belo a realeza
da rosa em seu carmim
da pureza de um jardim
ultrapassando a beleza.
Um doutor de entender
que a vida pura e bela
é um céu azul e branco
é um sítio sem cancela
uma canção entoada
uma vida derramada
e a gente em cima dela
Um doutor de entender
que tudo que vai tem volta
de um bicho que se prende
de outro que assim se solta
no ciclo da inspiração
em sua respiração
que no mundo não se esgota.
De entender que o destino
parece querendo ser
uma coisa já traçada
aquilo que tem que haver
pois não existe uma praça
o seu ar a sua graça
se não houver um querer.
Portanto sei entender
que a vida que aqui se tem
o tudo que aqui se faz
se projeta muito além
não vivemos numa estrada
como rota já traçada
a vida não é um trem
É preciso se buscar
no meio do existir
em tudo que se pensar
no chorar ou no sorrir
que a vida é qual o vento
que povoa o firmamento
eternamente a fluir.
Toda cosmologia
tenta mas não explica
o teor de tudo ser
enfeita e até complica
a razão do seu querer
procurando conhecer
o tudo que multiplica.
Como toda vida é
um conjunto de ilusão
construída ela está
pelo pó em suspensão
e a cada sopro vai
se levanta e depois cai
em nova combinação.
Contato
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Site: http://www.marcodiaurelio.com.br/
Por Marcella Machado, da redação do Conexão Boas Notícias