Pesquisadores da USP desenvolvem fita adesiva que substitui agulha em anestesia bucal
O dentista tenta aliviar o desconforto do paciente antes da anestesia, massageando a gengiva com gel, pomada ou creme anestésico. Apesar de todo este cuidado, a visita ao dentista é o pior dos programas, porém não tem como fugir de um tratamento dentário.
As histórias de medo e desconforto associadas a cadeira do dentista vão ficando cada vez mais para trás. Novos equipamentos e técnicas avançadas prometem melhorar a vida dos pacientes.
Uma fita adesiva que promete acabar com o medo da injeção vivido por pacientes no dentista foi desenvolvida por pesquisadores da USP de Ribeirão Preto (SP). Colada à gengiva, a fita libera uma substância que alivia dor em procedimentos cirúrgicos.
De acordo com o estudo que foi realizado pelos departamentos de farmácia e odontologia da universidade, a eficácia no uso de um dispositivo biocompatível e biodegradável libera um anestésico que aos poucos substitui a receosa agulha no consultório.
Os testes realizados até o momento confirmam que a tecnologia proporciona ao paciente um alívio por pelo menos 50 minutos, garantido, inicialmente, para procedimentos menos invasivos como a raspagem periodontal, microcirurgias e extração de dentes de lei em crianças, além da própria picada da agulha.
Segundo os pesquisadores, a ideia é continuar desenvolvendo o adesivo para que ele também seja aplicado em intervenções mais profundas como cirurgias de canal.
Eles estimam de um a cinco anos para que a inovação chegue ao mercado e seja produzida em escala industrial. Parte da pesquisa foi publicada nas revistas Colloids and Surfaces B: Biointerfaces e Biomedical Chromatography.
Paulo Linares Calefi, um dos pesquisadores da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (Forp) que participou do estudo, declarou: “Ele tem um efeito anestésico muito satisfatório, eliminando o uso de agulha. Outros procedimentos ainda vão se dar ao longo do desenvolvimento da pesquisa pra gente poder ter a certeza da utilização dessa fita adesiva com procedimentos mais invasivos”.
A equipe comemora os resultados, pois acredita que tenha conseguido, no mínimo, eficiente efeito pré-anestésico, no qual o paciente não sente a punção da agulha (a picada) durante a anestesia.
Renê Oliveira do Couto, farmacêutico e integrante do grupo afirma: “Esses resultados trazem avanços na prática clínica odontológica, com aumento da segurança, tanto aos pacientes quanto aos dentistas expostos a acidentes com agulha, e com aumento da adesão ao tratamento daqueles que são afugentados dos consultórios por medo das agulhas.
Temor a agulha
Uma situação bastante comum nos consultórios dentários. “Com aquela agulha, conforme ela vai se aproximando, você percebe muitas vezes o paciente transpirando na testa, no bigode”, conta o professor de odontologia da USP, Vinicius Pedrazzi.
Esta foi a motivação para se iniciar o estudo: “o medo da injeção” na hora da anestesia, não só um problema para os pacientes, mas um desafio na rotina dos profissionais.
A agulha causa um efeito psicológico sobre os pacientes e representa um risco à saúde de quem trabalha diariamente com ela nos consultórios.
“Além do pavor que o paciente tem da anestesia, da agulha, tem o pavor dos profissionais de saúde. A maior causa de acidentes entre profissionais de saúde com objetos perfurocortantes se trata de seringas com agulhas. O risco é muito alto de se cortar ou perfurar com agulha contaminada. Se o paciente tiver hepatite, HIV, doenças que são transmissíveis pelo sangue, é um risco muito grande de ter de usar o coquetel por um tempo ou até de a pessoa ficar doente”, relata.
Desde 2012, após uma série de trabalhos, os pesquisadores começaram a desenvolver um filme mucoadesivo feito a partir da hidroxipropilmetilcelulose (HPMC), um polímero de baixo custo derivado da celulose vegetal já usado nos setores de farmácia, cosméticos e alimentos.
Vinicius Pedrazzi descreve: “Estávamos pesquisando géis filmes para colocar dentro de bolsa periodontal pra tratar doença periodontal e aproveitar esses mesmos géis pra ver se funcionavam carregados com anestésico que a gente usa normalmente pra tratar o paciente”.
Fita adesiva anestésica
Segundo Paulo Calefi, a fita que substitui a injeção é colocada sobre a gengiva e libera um anestésico que, aos poucos, atinge o tecido ósseo e o dente. Os efeitos começam a ser sentidos após cinco minutos, atingem seu auge entre 15 e 25 minutos e permanecem por 50 minutos. O dispositivo tem formato circular para se adaptar melhor à anatomia da boca e para facilitar a aplicação.
“A atividade anestésica acontece além desses 50 minutos, mas para os testes foi determinado que, na aferição dos resultados, que 50 minutos ainda tinham a presença da anestesia muito bem difundida”, diz o pesquisador.
O professor Osvaldo de Freitas, orientador do estudo, destaca que já existem outros adesivos no mercado, mas com capacidade anestésica mais superficial, que servem para aliviar a dor da injeção.
A tecnologia ainda está em fase de registro de patente e tem previsão de chegar ao mercado em até cinco anos. O grupo continua a atuar com objetivo de tornar a fita capaz de substituir a agulha em todos os procedimentos odontológicos.
“O que fizemos hoje foi o desenvolvimento do sistema de liberação. A avaliação foi a odonto que fez, isso no âmbito de laboratório. Agora nós passaremos para uma segunda fase que é o desenvolvimento industrial desse produto”, salienta.
Além dos testes preliminares, a cada etapa de desenvolvimento, os pesquisadores fizeram um estudo em que submeteram dois grupos de pacientes a situações distintas.
Sem que soubessem, alguns pacientes receberam um “placebo” enquanto outros utilizaram o adesivo. Depois de submetidos a situações de dor, todos foram estimulados a registrar, em uma escala de 0 a 10, a intensidade do incômodo.
Quem recebeu o adesivo sem o princípio ativo descreveu ter tido um relativo alívio da dor, como uma consequência do próprio efeito “placebo”. Contudo, quem teve acesso ao dispositivo real relatou ter zerado o incômodo.
“Isso dá uma confiança para o paciente e para o profissional, que vai ter de lidar com o tratamento, não com o medo de saber como o paciente vai reagir perante esse atendimento”, enfatiza Pedrazzi.
Com informações: G1 / Jornal USP / Diário Oficial Estado de São Paulo