Peterson e os novos sertões hiper-regionais
Ao contrário do que muita gente pensa, o regionalismo já existe há cerca de 150 anos na Literatura Brasileira. A lembrança recorrente ao falarmos de regionalismo em nossa literatura está nos autores que surgiram na década de 1930 do século passado, a exemplo de Rachel de Queiroz, José Lins do Rego, Graciliano Ramos e José Américo de Almeida, entre outros.
Mas antes deles, já se praticava um regionalismo no Brasil, em outro estilo, claro. São os casos de Franklin Távora, Visconde de Taunay, Bernardo Guimarães e José Alencar. Este último fez vários romances abordando aspectos regionais do sertão, do gaúcho e de outras regiões do país.
A Geração de 30, com certeza, radicalizou o conceito de regionalismo na nossa literatura. Os romances daquela época buscavam a verossimilhança, o retrato direto da realidade em seus elementos históricos e sociais e a tipificação social. Apesar do sucesso dos romances da época, a geração regionalista também sofria suas críticas. Uma delas a de que, em termo de linguagem, o romance de 30 é um retrocesso em relação aos romances de invenção dos Anos 20, por retomar a narrativa tradicional, realista, do século XIX. Outra crítica é a que vê na Literatura Regionalista uma literatura menor, por se deter nos problemas sociais, políticos e econômicos de uma dada região, deixando de lado o universalismo dos temas.
Sem entrar no mérito dessas polêmicas, mas sem deixar de se posicionar, o professor Peterson Martins Alves Araújo ousa apostar na estética hiper-regional como uma vertente forte na literatura brasileira. Fruto de sua tese de doutorado, o livro “Os sertões infinitos de Rosa e Suassuna: a estética hiper-regional na Literatura Brasileira” abre uma clareira de novas percepções sobre nosso cânone literário.
E faz isso através de dois grandes autores e de dois grandes romances que não estão necessariamente juntos no tempo e no espaço. Falo de Guimarães Rosa e Ariano Suassuna. Ou dos romances “Grande Sertão: Veredas” e “Romance d´A Pedra do Reino”. Os sertões das personagens Riobaldo (Grande Sertão) e Quaderna (A Pedra do Reino) são diferentes, mas parecem convergir na análise lúcida e pertinente de Peterson Santos.
Para Peterson, o hiper-regionalismo une o surrealismo com o regionalismo típico; o rural e o urbano, o localismo e o cosmopolitismo. Essa nova vertente, praticamente ignorada pela crítica literária, teve suas bases lançadas, segundo Peterson, por Guimarães Rosa em “Sagarana” e “Grande Sertão”. Mais tarde, Ariano Suassuna endossaria na sua Pedra do Reino, com a união do popular e erudito.
Bem fundamentada, a tese-livro de Peterson parte de Bakhtin e Walter Benjamim para explicitar teorias de hibridização e regionalismo. Peterson divide seu livro em cinco capítulos, indo da discussão sobre o redemoinho narrativo no Sertão de Rosa e Suassuna à cronotopia do romance hiper-regional. De sobremesa, uma extensa entrevista com Ariano Suassuna sobre o seu fazer literário.
Sébastien Joachim, na apresentação da obra, ousa atribuir ao texto de Peterson Martins a paternidade de uma Poética da Hiper-regionalidade, inaugurando um novo rumo na pesquisa literária brasileira.
Eu ousaria acrescentar que Peterson desbrava teorias em busca de novos sertões em nossa crítica literária brasileira. A leitura de “Os sertões infinitos de Rosa e Suassuna: a estética hiper-regional na Literatura Brasileira” é fundamental para quem quer conhecer os sertões que também terão de ser desbravados no século XXI.
Linaldo Guedes
Jornalista e poeta. Nascido em Cajazeiras, no Sertão da Paraíba. Radicado em João Pessoa desde 1979. Como poeta, lançou os livros “Os zumbis também escutam blues e outros poemas” (A União/Texto Arte Editora, 1998), “Intervalo Lírico” (Editora Dinâmica, 2005), “Metáforas para um duelo no Sertão” (Editora Patuá, 2012) e “Tara e outros Otimismos” (Editora Patuá, 2016). Lançou, em 2015, “Receitas de como se tornar um bom escritor”, pela Chiado Editora, de Portugal.
Tem textos e poemas publicados em dezenas de livros lançados no Brasil, incluindo antologias. Sua produção literária e fortuna crítica podem ser acessadas nos seguintes blogues:
Site: https://conversandosobrelinaldoguedes.wordpress.com/