Renda Irlandesa cria oportunidades de trabalho no sertão do Brasil
O artesanato mais tradicional do Brasil: a Renda Irlandesa. Na cidade de Divina Pastora, no interior de Sergipe. Mulheres se reúnem num casarão para produzir peças belíssimas.
A presidente da Associação das Rendeiras, Elizabete Raimundo Santos, aponta: “A fundação foi em 2000 pelo senhor Arante, que veio de Brasília. A doutora Ruth Cardoso mandou que resgatasse todo artesanato do país e o colocou aqui em nossa cidade. Ele fez o trabalho junto conosco fazendo pesquisa na cidade com todas as rendeiras e daí fundou a associação”.
A técnica surgiu na Itália. O bordado – renda irlandesa ficou popular nos conventos e chegou ao Brasil no começo do século XX.
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“Não vejo seu rosto! Vejo somente as mãos! E isso me basta!”
– Aglaé D´Ávila Fontes de Alencar
Ainda uma criança, Elisabete aprendeu a lidar com as agulhas e linhas. Não é que a menina tinha mesmo, um jeito especial e aprendeu logo a bordar. Ela recorda que naquela época, as rendeiras ficavam nas calçadas porque não havia energia elétrica.
As artesãs se uniram. “Quem tinha condições, que pegava encomenda de renda, passava para aquelas que não tinham condições, Aí, dividia-se o trabalho e cada uma fazia o trabalho em suas casas. Depois que foi fundada a associação, foi melhor, porque juntou um grupo de pessoas”, destacou a presidente.
A associação reúne quase 90 mulheres. Dona Alzira Alves é a responsável pelo desenho de todas as peças. “Foi de geração para geração e está até hoje, graças a Deus”, diz a rendeira.
Maria São Pedro aprendeu a fazer renda quando tinha dez anos. “Aprendi apanhando, levando cascudo quando eu errava. A moça dizia ‘Não é assim, não’”, relembra.
O segredo do sucesso dessas mulheres criativas está em uma palavra: excelência. As artesãs de Divina Pastora produzem arte com elevada qualidade e muito bom gosto. Em 2008, a renda irlandesa virou patrimônio cultural do Brasil. “A quantidade de trabalho dobrou e a divulgação também. Já estamos sendo conhecidos, reconhecidos fora de nosso país. Temos uma remessa pra mandar aos Estados Unidos. Para nossa comunidade, para as rendeiras que fazem esse trabalho, isso foi de um grande valor”, enfatiza Elisabete.
“A renda irlandesa é muito importante para mim. Criei meus filhos com o dinheiro que ganhava produzindo renda. Ensinei às minhas filhas esse ofício. Sou feliz trabalhando com isso”, afirma uma das rendeiras mais antiga de Divina Pastora, Eugênia dos Santos.
Vera Lúcia dos Santos é umas das mais jovens do grupo. E já sabe o que vai fazer com o dinheiro que ganha com o artesanato. “Pretendo comprar, ir juntando para comprar um terreninho pra mim. E estudar também, é bom”, comenta a rendeira.
“A rendeira pega uma peça, qualquer peça para fazer, e depois termina, ela mesmo se sente orgulhosa de ter feito aquele trabalho. Então não só o título, como o que você faz, é muito importante”, diz Elizabete.
Desafio: perpetuar a Renda Irlandesa
A artesã Edinalva Batista dos Santos, a Nalva, 55 anos, conheceu a arte com a qual mantém a família até hoje: a renda irlandesa, cujas tramas se assemelham a arte decorativa celta.
Tudo começou ao se inscrever em um curso ministrado por dona Adélia, de Divina Pastora, cidade para a qual missionárias católicas trouxeram, na década de 1920, a técnica surgida entre os séculos 16 e 17, na Europa.
Ela diz que de vez em quando surgem encomendas diferentes. Uma delas foi feita pela ex-prefeita de Laranjeiras Ione Sobral, que encomendou um blazer para a então presidente Dilma Roussefff.
As medidas de Dilma foram enviadas por assessores e três artesãs deram conta do pedido em menos de um mês. A petista estreou a roupa, em 2013, durante um congresso do partido.
Renda Irlandesa
A técnica surgida entre os séculos XVI e XVII, na Europa.
A versão mais conhecida é que as primeiras brasileiras que tiveram contato com a arte – foram as mulheres que faziam parte da elite formada por famílias proprietárias de engenhos de açúcar. Eram elas que produziam peças para ornamentar igrejas como a Basílica de Divina Pastora, paramentos sacerdotais e enxovais para casamentos das filhas e nascimento dos netos.
Entretanto, com o declínio da economia canavieira e devido ao trabalho intenso para a confecção das peças, as senhoras passaram a ensinar o bordado para as empregadas, que viram na arte uma forma de aumentar a renda.
Entre as rendeiras sertanejas é comum ouvir falar nas dezenas de pontos que têm nomes curiosos, como aranha redonda, cocada, abacaxi, boca de sapo, dente de jegue, espinha de peixe.
A agulha é o principal instrumento para transformar cordões e fios de linha em obras de arte. Além dela são utilizadas tesourinha, um lápis fino para fazer o ilhós (um tipo de ponto) e, eventualmente, um dedal. O processo de feitura de peças é delicado e trabalhoso, podendo levar meses para ser concluído.
É preciso riscar o desenho em papel manteiga. No caso das peças grandes, o debuxo é recortado e as partes são divididas entre duas ou mais rendeiras. Outro detalhe é que algumas associações trabalham com uma especialista em desenho.
O riscado é colado a um mais grosso (papel chumbo ou de embrulho) para dar suporte ao lacê, que contornará as formas do desenho. A etapa seguinte consiste em preencher os espaços vazios entre o cordão, fazendo os pontos com agulha e linha. A interligação dos contornos de lacê é a fase mais demorada da produção.
A renda irlandesa tem semelhança de pontos com a renda renascença. A diferença está no uso do cordão de lacê, formando um relevo mais encorpado.
Por fim, separa-se a renda do papel cortando os alinhavos que os prendiam e retira-se os fiapos de linha. Vale lembrar, que a confecção é realizada pelo avesso para preservar a renda de sujeiras.
As matérias-primas são o lacê (cordão sedoso e flexível) e a linha da marca Mercer Crochet. A linha é bem mais cara do que as utilizadas em outros tipos de bordados. O novelo custa R$ 15, o equivalente a até 10 vezes mais do que pelo material usado em outras técnicas.
O lacê é produzido por uma única e antiga fábrica localizada em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro. Fundada em 1912 por um grupo alemão, a Ipu tem ameaçado fechar suas portas nos últimos anos. Seu maquinário é obsoleto, segundo informações obtidas pelas bordadeiras.
Patrimônio Cultural Imaterial
O Instituto do Patrimônio Artístico e Histórico Nacional (Iphan) conferiu o título de Patrimônio Cultural Imaterial à renda irlandesa produzida em Sergipe e o incluiu o modo de fazer no Livro de Registro dos Saberes (2009), tem feito gestões em favor das bordadeiras.
Também desenvolve paralelamente ações de salvaguardas para preservar a arte, incluindo o projeto de compra de equipamentos para produção de lacê nos principais polos de bordado irlandês – Divina Pastora, Laranjeiras, Maruim e Estiva (povoado de Nossa Senhora do Socorro).
Veja o vídeo! Lindo demais!
Cuidados com a Renda Irlandesa
Nalva, explicar cuidadosamente para seus fregueses como uma peça de renda inglesa deve ser lavada para durar por muitos anos:
“Desmanche sabão neutro em um recipiente com água. Deixe a peça por 15 minutos. Em seguida, com uma escova de dente ou outra maior bem macia, passe sobre os locais sujos. Tire o sabão com outra água, sem esfregar e bote para secar. Desta forma, a peça nunca se estragará”, ensina.
Com informações: G1 / Meus Sertões / Portal Semear