Tito Lobo: cultura popular em colorido vivo e detalhes
Nessa aldeia pincéis e tintas são os instrumentos de luta do índio guerreiro. A mata é uma cultura sem fim. A terra é a identidade de um povo. A tribo é formada por artistas de quadros, da poesia, canto, teatro, artesanato, de gentes e natureza. Um deles tem uma missão: ser “Guardião das Cores”.
Jacinto Diogo Correia Neto, mais conhecido como Tito Lobo, nasceu em João Pessoa. É desenhista, pintor, gravador, escultor e cenógrafo. Um artista dos detalhes e das cores. “A minha arte tem alegria, luz, amor, paz, serenidade, poder de transmissão. Tudo isso acontece porque tenho coisas boas dentro de mim. São os meus reais sonhos e esse colorido infinito que sai do meu eu e é distribuído para toda gente”, afirmou.
Suas pinturas revelam traços fortes da cultura popular. Desde a infância as artes plásticas e visuais o atraíram, mas começou mesmo a expor profissionalmente seus trabalhos em 1986. “Respiro arte, o meu pulmão, coração, corpo, alma, depende da arte”, revelou.
Dentre momentos marcantes da sua trajetória estão as exposições individuais e coletivas que realizou pelo Brasil e em países como Espanha, Portugal, Itália e França. O Conexão Boas Notícias conversou com o artista plástico paraibano Tito Lobo sobre a sua arte, cores, sonhos e valorização da cultura regional.
De onde vem a ideia de usar tantas cores em suas obras?
O meu DNA já veio colorido para esse mundo. Já nasci uma criança com o sorriso largo, alegria, feliz, com prazer de viver e acreditando neste genial sonho colorido que Deus me presenteou. Mas também acho que tive uma certa influência, uma referência maior, vinda dos meus avós, que eram de Tribos Indígenas da Paraíba e do Maranhão.
Com essa ligação forte da cultura indígena, misturada com a cultura popular do folclore brasileiro, fui transferindo para as telas, objetos, paredes e etc., esse jogo harmonioso de cores, descoberto a cada dia através dos estudos. Como afirma o mestre da música popular brasileira, o cantor e compositor paraibano, Bebé de Natércio, “estamos diante de um Guardião das Cores, e Tito Lobo é um laboratório que arranca dos seus ancestrais o real, através dos sonhos e das cores, estampando sua arte para o mundo”.
Rostos estão sempre presentes em suas obras. Em que ou em quem são inspiradas essas faces?
Realmente, sempre utilizo a figura humana como “ponto principal” em minhas obras, acredito que a cultura popular como um todo, sempre tem representação importante na linha da vida e na linguagem visual da arte, porque o ser humano é parte principal de qualquer história, é o maior personagem, é a “criatura” que carrega o estandarte dos sonhos, da vida e é um “Museu Vivo”. Mas, infelizmente, resta o ser humano valorizar a sua própria instituição que ora, encontra-se falida e com poucos valores.
Eu valorizo o ser humano, mas levo consigo o seu passado cultural, sempre utilizando a pesquisa para não pintar uma obra que não tenha significado transformador. O “rosto” das mulheres muçulmanas, do maracatu, do reisado, das figuras religiosas e etc., são linhas vivas que encantam e podem servir de poder de transformação, socialização. Por isso que crio algo em cima do rosto, para que este imponha valores e respeito. Quando você ler uma obra pintada, onde utilizo a figura humana, pode-se perceber o brilho, a luz e o poder de alcance através da melodia, chamada de esperança.
Suas pinturas saltam das telas e estampam roupas e outros objetos. Como é essa relação do artista com a obra que segue seus próprios caminhos?
A minha arte é viva, tem uma conotação forte com a comunicação visual universal, isso ajuda muito na interação com os povos de diferentes tribos. Para tanto, quando começo a criar uma obra, a primeira ideia é que ela possa ficar em meu acervo, para que no futuro sirva de estudo para gerações futuras, e o outro lado da “moeda” é a Comercialização dos Direitos de Utilização de Imagens por Empresas Públicas, Privadas, Pessoas Físicas, Pessoas Jurídicas e etc., para serem utilizadas para “propagandas”, jamais comercializar, preservo a socialização através da arte. Na realidade, não tenho ligação com nenhuma galeria ou marchand. Não tenho interesse.
O que é ser um artista obediente aos sonhos?
Obedecer aos sonhos, a realidade, a fé, confiança e ser leal são procedimentos originais e normais, serve de exemplo para futuras gerações e isso é muito importante para o artista. O ser humano e, principalmente, o artista devem sempre estar em sintonia com os sonhos. Sonhar faz bem ao espírito e eleva a emoção de viver feliz e de bem com a vida.
O mais importante é abraçar o sonho, ser feliz sem essa de opção, mas sim com a convicção de que você existe, que vai utilizar dos seus sonhos, para serem “distribuídos” através da sua arte. Por isso que sempre afirmo, que “a socialização é o caminho mais curto para educar uma comunidade”. Sonho é vida!
O que é preciso para o nascimento de uma obra?
O nascimento de uma obra é como o nascimento de um filho. O primeiro passo é o artista ter autoconhecimento do que vai realizar na tela, objeto e etc. Precisa-se de uma concentração e de leveza espiritual para realizar a transmissão cósmica dos seus sonhos e objetivos para a tela ou outro objeto. Não importa o que você vai montar para criar esse elo de ligação entre o irreal e o real. Depois de pegar no lápis e se direcionar à tela ou objeto, a sensação é de muita liberdade e de um alcance íntimo e único.
Sempre coloco muitos detalhes em minhas obras, porque ele é o cartão de visita das minhas obras, bem como as cores que utilizo. Ao pegar no pincel e nas tintas, procuro fazer um estudo de distribuição de cores, onde esse conjunto de tons tenha uma harmonia para não fugir do elemento principal que é o poder de transmissão visual.
Depois de finalizada a obra, chega a hora mais difícil que é a de “batizá-la”. Essa hora requer um conhecimento psicológico muito forte e que tenha uma acentuada técnica literária de como realizar a leitura através das curvas, cortes, formas e cores. É um processo longo, onde quase todos os dias você descobre uma história sobre a obra. Mas no final tudo fica colorido e com um sentimento de felicidade único. “A arte é a essência da vida”.
Qual é o desafio de transpor em tela uma cultura tão rica quanto a nossa?
Tudo depende de estudo, pesquisas e autoanálises. São os critérios fundamentais para ter desenvoltura firme e transformadora, pois a nossa cultura depende de nós. Se falarmos bem dela, de suas verdades, suas histórias, ela sobreviverá séculos.
A cultura só se torna rica quando o povo a valoriza. Se não valorizar tende-se a ser extraviada, engolida pela falsidade. Exemplos maiores, bonitos, porém fugitivos de sua própria realidade, são o Carnaval, São João e as danças afros. Valorizar nossa cultura é uma obrigação de nós nativos. Sem ela não haverá História, só estória.
As cores de Tito Lobo
Por Marcella Machado, da redação do Conexão Boas Notícias